Na época de Natal e com alguma regularidade surgem na
imprensa alguns trabalhos sobre a relação das crianças com o Pai Natal. Já
tenho colaborado em algumas circunstâncias e ontem o Público solicitou-me uma
pequena participação.
Na peça são ouvidos alguns profissionais na área da infância
que, genericamente, não entendem, e bem, haver qualquer problema nessa crença
mágica das crianças.
Também faz parte da agenda desta época o surgimento de algumas
peças na comunicação social envolvendo crianças e as suas crenças no Pai Natal.
Nesses trabalhos é frequente ouvirmos as crianças afirmar convictamente que
acreditam no Pai Natal, bem como pais que, conforme as suas convicções,
alimentam ou desincentivam a crença no Pai Natal.
No entanto, deixem-me afirmar com toda a certeza. Os miúdos
acreditam no Pai Natal e não numa mentira, como por vezes se ouve de gente
menos atenta. Eu tenho a certeza, já fui Pai Natal e vi, senti, como eles
acreditavam em mim, isto é, no Pai Natal. Recupero uma história pessoal que já aqui partilhei.
Nunca percebi muito bem porquê, mas ao longo da minha vida
desempenhei várias vezes a função, sempre fora do contexto familiar. A escolha
dever-se-ia, provavelmente, à proeminente mochila que carregava à frente, agora
um pouco mais pequena, felizmente, e às barbas brancas que de há muito me
acompanham.
Não pensem que é uma tarefa fácil, não é não senhor. Passar
umas horas dentro de um fato quentíssimo com umas barbas ainda mais quentes que
insistem em deixar a boca cheia de pêlos não é muito simpático. Mas os miúdos
acreditam no Pai Natal e isso ajuda a aliviar o desconforto. Felizmente,
naquela altura ainda não tinham inventado os Pais Natais que sobem às varandas,
caso assim fosse desistiria mesmo, sou um rapaz demasiado pesado para o
alpinismo, dado a vertigens sendo ainda que as noites são demasiado frias para que
se possam passar pendurado na varanda de cada um.
Numa das vezes em que fui Pai Natal de serviço, há já muitos
anos, cena de que ainda possuo uma memória perfeita, lembro-me do ar aflito e
preocupado de um gaiato que insistiu o tempo todo junto de mim para que não me
esquecesse do que queria como presente, Moto Ratos, creio que se tratava de
umas personagens de banda desenhada em voga na altura.
E o miúdo, sempre que me lembrava os Moto Ratos e fazia-o
sempre que comigo se cruzava, tal era o desejo, explicava-me com os olhos muito
abertos e com muitos gestos como se ia para casa dele para eu não me enganar no
caminho. E não me enganei, Pai Natal que é Pai Natal cumpre sempre. Confirmei
depois que ele recebeu os desejados Moto Ratos, claro, o Pai Natal não falha.
Deve ser bom acreditar no Pai Natal. Aliás, deve ser bom
acreditar. Por isso, nos vários trabalhos em que tenho colaborado vou
afirmando, deixem as crianças acreditarem no Pai Natal até que queiram ou que
precisem. Não lhes roubem o encanto em nome de um qualquer conjunto de
pseudo-modernices educativas.
Vão ter o resto da sua vida para acreditar e desacreditar,
para desacreditar e voltar a acreditar.
Provavelmente, numa busca incessante pelo encanto perdido
quando descobrimos que o Pai Natal não existe.
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