Foram divulgados os resultados do TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) de 2019 coordenado pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) que avalia Matemática e Ciências no 4.º e 8.º ano do ensino básico.
Do extenso conjunto de dados relava o abaixamento significativo
em matemática no 4.º ano de 541 pontos em 2015 para 525 em 2019 e um
abaixamento, mas pouco significativo em ciências, de 508 para 504, sendo 500 o
valor médio da escala. Este abaixamento inverteu a trajectória de subida nas
últimas edições.
Quanto ao 8.º que agora foi considerado em comparação com
1995 ano em que Portugal participou neste estudo e só retomando a participação em 2019, os resultados mostram uma subida em matemática, 451 para
500 pontos, e em ciências, de 463 para 519.
No relatório é referido sem surpresa, o peso que assumem neste desempenho variáveis como o estatuto socioeconómico familiar dos alunos e o contexto sócio demográfico das escolas ou a frequência de educação pré-escolar.
A este propósito recordo um relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência com dados de 2019 divulgado em Março segundo o qual em 2018/2019 apenas 21% dos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar cumpriram o 9º ano sem retenções, entre os alunos com meios familiares mais favorecidos a percentagem de trajectos sem retenção foi 56%.
Os números ilustram uma situação que, lamentavelmente, não
tem nada de novo, os resultados em Matemática continuam mais baixos e também
associados a variáveis sociodemográficas, condições económicas e nível de
escolarização familiar.
Para além destas questões que são críticas a explicação para
os resultados a Matemática é complexa e nem sempre consensual e surge
habitualmente a questão dos currículos. Aliás, o Secretário de Estado em
reacção a estes dados anunciou um novo programa de matemática produzido pelo
Grupo de Trabalho criado para o efeito e entrar em discussão brevemente. Não
sou especialista em questões curriculares, mas curiosamente duas Associações,
Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática
representativas deste universo quase sempre têm entendimentos diferentes. No
entanto, julgo que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e
prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos
alunos sendo ainda que os conteúdos curriculares carecem de ajustamento como todas
as áreas.
Por outro lado, e como aqui tenho escrito o desempenho a
matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por
múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das
escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou
questões de natureza didáctica e pedagógica.
Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis
menos consideradas por vezes mas que a experiência e a evidência mostram ter
também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção
que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a
contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de
mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o
desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos
resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda
para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação
sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada
nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a
Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito”
para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras
públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram
jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a
confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e às vezes bem
que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas
para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de
contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a
Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e
como sempre será a escola o braço operacional da comunidade que quer fazer a
diferença a fazer a diferença. Aliás, Dirk Hastedt, director-executivo da
International Association for the Evaluation of Educational Achievement, em entrevista no Público sublinha justamente a necessidade da valorização dos
professores com forma de também valorizar a educação e melhorar a sua qualidade.
Parece ainda claro e é uma questão central claro que para
promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem
nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial criar e tornar
acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e
competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo.
Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença,
em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não
localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo
dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a
estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a
alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um
quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia,
organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de
objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos
professores, com práticas de diferenciação que não sejam
"grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e
face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer
para professores quer para alunos, etc.
Uma nota final para a importância da avaliação externa como
forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem
e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a
qualidade. É como se só por medir muitas vezes a febre se espere que ela baixe. A
qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos
globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais
como, por exemplo, o próprio TIMSS.
Não tenho nenhuma convicção que a multiplicação de projectos
que emergem fora das escolas, por vezes com formas robustas de financiamento
fora do sistema educativo, que alimentam agendas e corporações de interesses
possam ser o caminho apesar de surgirem sempre alguns resultados ou avaliações
que os pretendem legitimar. É com a escola, por dentro da escola e integrado em
sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que
o caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.
Só falta um pequeno passo.
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