quinta-feira, 13 de junho de 2024

OS CAMINHOS DIFÍCEIS DA INCLUSÃO

 No JN com abordagem na primeira página trata-se as dificuldades dos cidadãos com deficiência. Das 100 medidas que integravam a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência (ENIPD) para os anos de 2021 a 2023 não se concretizaram em diferentes domínios cerca de 70%.

Existem matérias que muito provavelmente nunca sairão da agenda de preocupações. As dificuldades sentidas por pessoas com deficiência na sua vida diária e em múltiplas dimensões constituem uma dessas questões.

Recordo o relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, "Pessoas com Deficiência em Portugal - Indicadores de Direitos Humanos 2023". Apesar de alguma evolução os indicadores são preocupantes.

Sem prestações sociais, em 2022 e com base em dados do INE, 62,3% das pessoas com deficiência com mais de 16 anos estariam em risco de pobreza face a 35,5% das pessoas sem deficiência. Considerando os apoios sociais a taxa de pobreza baixa 42,3% e apenas 21,5% na população sem deficiência o que sublinha o papel fundamental dos apoios sociais e a necessidade do seu aumento considerando a quase ausência de alternativas.

No que respeita ao emprego, no período entre 2015 e 2022 verificou-se um aumento de 4,6% no número de pessoas com deficiência inscritas como desempregadas.

Relativamente à educação e formação, em 2020, na população com deficiência nos alunos entre os 18 e os 24 anos, a taxa de abandono era de 22,1%, mais 13,6% do que nos alunos sem deficiência.

Apesar de alguma evolução a situação das pessoas com deficiência continua com grande vulnerabilidade face á pobreza e exclusão.

Uma outra questão crítica prende-se com a mobilidade, boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradado, que criam dificuldades enormes e insegurança a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência visual?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos estabelecimentos comerciais de múltipla natureza são, na prática inacessíveis a pessoas com mobilidade reduzida?

No que respeita à educação e como aqui escrevi há pouco, em consequência da alteração nos critérios de acesso ao ensino superior através de contingente específico para estudantes com deficiência e que na altura aqui comentei, em 2023 ficaram colocados 201 alunos, menos 54% que em 2022 com a colocação de 440 alunos. Ao que parece o MECI estará a avaliar os impactos das alterações realizadas em 2023 que, considerando o efeito produzido, se constituem mais um obstáculo na vida de pessoas com deficiência.

Considerando a educação dos mais novos, apesar das boas experiências que se desenvolvem, a verdade é que para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias, área que melhor conheço, a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios e recursos educativos e especializados necessários. No entanto, não esqueço os bons exemplos e práticas que conhecemos, assim como sei do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

É certo que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe, insisto, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada.

O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Insisto em que não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

Em termos mais genéricos. reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

Por quanto tempo precisaremos de o relembrar?

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