Estava escrito nas estrelas. Os
directores de escolas reportam dificuldades significativas de natureza
informática, recursos e acesso à net em muitas situações. Por outro lado, mais
de 10% dos alunos inscritos não realizaram a prova de Português na passada segunda-feira.
Peço desculpa pela insistência e
repetição, mas enquanto este modelo se mantiver acho que se justifica. De
facto, o modelo actual suscita-me algumas dúvidas, parece assentar num
equívoco como há dias aqui escrevi.
Dado que ainda não foi alterada,
a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa
lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece mais
ajustado que uma avaliação externa de aferição deva ser realizada no ano final
de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos
estão a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º ano não
existem exames finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.
A argumentação para a sua
realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades
e a devolução de resultados às escolas que permitiriam a correcção de
trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso, a avaliação
não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas
salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente,
avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que
possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho. Assim
tenham as escolas os recursos necessários para o apoio nas aprendizagens.
Por outro lado, quando olhamos
para os resultados das provas de aferição e para o indicador “percursos de
sucesso”, alunos que terminam o ciclo no número de anos previsto, verifica-se
uma enorme disparidade, resultados preocupantes nas provas de aferição e taxas
de percurso de sucesso superiores a 90% nos vários ciclos. Tive oportunidade
aqui comentar os dados mais recentes.
Sabemos também que os resultados
das provas de aferição, percebidos pelos alunos como não “contando para nada”,
razão muito provável para a não participação de muitos alunos, chegam às
escolas num tempo pouco ajustado para a eventual “recuperação” dos alunos.
Sabemos ainda que os recursos disponíveis nas escolas e as implicações da falta
de docentes criam sérios dificuldades.
Acresce que o deslumbramento
com o novo mantra, transição digital, sustentou a manutenção de realização das
provas em formato digital.
Tinha alguma esperança de que o
bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que
desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em
termos excessivos dos recursos digitais, pudesse contribuir para um maior
equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos
primeiros anos de escolaridade.
Por outro lado, são conhecidas
com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte
dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de
escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada
utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas,
infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece
ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste
cenário, apesar do esforço que vai ser realizado recorrendo ao apoio dos
docentes de informática, podem decorrer situações sérias de desigualdade entre
escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a
enorme disparidade de recursos e da sua utilização.
Acresce que, para além da
disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º
ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada,
e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da
evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a
proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos
alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda
que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam
significativas.
Por coincidência, os meus netos estão
a realizar as provas de aferição do 2.º e 5.º o que também me dá para entender
a forma como são percebidas.
Finalmente, uma chamada de
atenção para o texto do professor Carlos Ceia no Público sobre esta matéria.
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