domingo, 16 de junho de 2024

"SÓ APRENDE QUEM SE RI"

 Existem matérias que apesar de muitas vezes abordadas não podem sair da agenda das preocupações e da urgência e prioridade nas medidas e recursos. É preciso insistir.

De acordo com dados do Eurostat divulgados no JN, em Portugal, no final de 2023 viviam 339 mil crianças em risco de pobreza ou de exclusão social, cerca de 22,6% da população com menos de 18 anos. Relativamente a 2022 verifica-se um aumento de 1,9%. Se considerarmos a primeira infância, até aos 6 anos, a taxa de risco é de 21,6%, um aumento de 4%, mais 25 mil crianças.

Como ainda há pouco tempo aqui escrevi estamos longe de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão.

Sabemos que a educação tem um papel crítico neste processo. No entanto, recordo o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche. Também no intervalo entre 4 e 7 anos são também as crianças mais pobres que não frequentam educação pré-escolar.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento como se pode verificar na peça do Público relativas ao Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da mádia europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Quando penso nestas matérias não resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes, coisas de velho como sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições sobre educação que já recebi.

Aconteceu há já uns anos em Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um homem que não conhecia o significado de pressa.

Um tempinho depois disse-me que se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.

Pois é Velho, miúdos com fome e que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.

Ontem, hoje e amanhã. Não podemos falhar.

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