segunda-feira, 8 de agosto de 2022

UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE (mais uma vez)

 No Público aborda-se hoje uma situação que justifica alguma reflexão. O Instituto de Segurança Social desencadeou um inquérito a uma instituição que tutela um Centro de Acolhimento de Emergência para crianças em risco.

Uma criança de nove anos está nesta situação há dois anos e meio, é suposto que o acolhimento de emergência seja de curta duração, e os serviços que acompanham o processo da criança entendem que a relação com a família biológica está em reconstrução pelo que a criança poderia (deveria) passar os fins-de-semana com a família no sentido de preparar o seu regresso ao que lhe é devido, uma família, o que foi aceite pelo Tribunal.

A instituição recusa cumprir a decisão com base, ao que parece, no seu regulamento interno e no entendimento de que, cito o director, “As crianças que estão connosco não andam de um lado para outro no fim-de-semana”, “Acaba por ser comum os pais queixarem-se ao tribunal. É um assunto que em qualquer altura terá de ser resolvido. Para nós está resolvido.”

Há aqui qualquer coisa de estranho. Assim como as famílias (os pais) não são donos dos filhos, veja-se o caso lamentável que envolve os pais que proíbem os filhos de frequentar as aulas de Educação e cidadania com um argumentário insustentável, também as instituições não são donas das crianças. Aliás, a sua existência, sabemos que são necessárias, assenta, naturalmente, na protecção do superior interesse da criança. E é preciso que assim seja.

A questão é que como tenho abordado, apesar de alguma evolução temos ainda um cenário complexo e excessivo em matéria de institucionalização de crianças e jovens. É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Uma entrevista de Robbie Gilligan, Professor de Serviço Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, dada ao Público em 2018 ainda merece leitura.

Um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família biológica, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Recordo um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, são tóxicas, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Esperemos que também este caso o princípio prevaleça. Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

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