No Público aborda-se hoje uma situação que justifica alguma reflexão. O Instituto de Segurança Social desencadeou um inquérito a uma instituição que tutela um Centro de Acolhimento de Emergência para crianças em risco.
Uma criança de nove anos está nesta situação há dois anos e
meio, é suposto que o acolhimento de emergência seja de curta duração, e os
serviços que acompanham o processo da criança entendem que a relação com a família
biológica está em reconstrução pelo que a criança poderia (deveria) passar os
fins-de-semana com a família no sentido de preparar o seu regresso ao que lhe é
devido, uma família, o que foi aceite pelo Tribunal.
A instituição recusa cumprir a decisão com base, ao que
parece, no seu regulamento interno e no entendimento de que, cito o director, “As
crianças que estão connosco não andam de um lado para outro no fim-de-semana”, “Acaba
por ser comum os pais queixarem-se ao tribunal. É um assunto que em qualquer
altura terá de ser resolvido. Para nós está resolvido.”
Há aqui qualquer coisa de estranho. Assim como as famílias
(os pais) não são donos dos filhos, veja-se o caso lamentável que envolve os
pais que proíbem os filhos de frequentar as aulas de Educação e cidadania com
um argumentário insustentável, também as instituições não são donas das
crianças. Aliás, a sua existência, sabemos que são necessárias, assenta,
naturalmente, na protecção do superior interesse da criança. E é preciso que
assim seja.
A questão é que como tenho abordado, apesar de alguma
evolução temos ainda um cenário complexo e excessivo em matéria de
institucionalização de crianças e jovens. É consensual que em nome do bem-estar
das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover
a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas
razões.
Uma entrevista de Robbie Gilligan, Professor de Serviço
Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, dada ao Público em 2018
ainda merece leitura.
Um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do
Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma
percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em
família biológica, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69
e em instituições, 7.61.
Recordo um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho
mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais
dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas
instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento
dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos
técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida
institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma
de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação
afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que
muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que
existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter
crianças no seu seio, são tóxicas, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser
uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um
princípio estruturante das decisões neste universo.
Esperemos que também este caso o princípio prevaleça. Uma
família é, de facto, um bem de primeira necessidade.
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