segunda-feira, 29 de agosto de 2022

DOS ALÇAPÕES DA NET

 Na imprensa de hoje retoma-se a questão dos “desafios” a que nas redes sociais crianças e adolescentes são estimulados a responder com graves riscos envolvidos. O recente e trágico caso da criança inglesa que faleceu após ter respondido ao “Blackout Challenge", um dos vários “desafios” que surgem no TikTok, constitui um exemplo dramático.

Muito se tem escrito e divulgado sobre estes processos, sobre a forma como se desenrolam, sobre os riscos das redes sociais ou jogos, precauções a considerar por pais e educadores e, por outro lado, o acréscimo de atenção dirigida a crianças ou adolescentes que, por várias razões, podem estar em situação de maior vulnerabilidade. É imprescindível estarmos "por dentro" deste contexto.

Por outro lado, a “net” é um mundo em constante e rápida mudança o que dificulta a supervisão e controlo dos mais novos sobre a sua utilização.

No entanto, é de sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável, ainda que os dados relativos aos riscos sejam, de facto, inquietantes.

As referências recorrentes ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados são, por assim dizer, um sinal dos tempos.

Relativamente à forma de lidar com esta quadro creio que, tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona.

São mais eficientes a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho, como também é nosso trabalho a exigência por mais eficazes dispositivos de controle de acesso e na natureza dos conteúdos.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, a que parece estarmos a voltar, em casa, muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e informação que estimulem auto-regulação e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas, sobretudo a situações que possam estar associadas a mal-estar, que podem ser como que portas abertas para cair num alçapão com consequências imprevisíveis.


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