Quando era adolescente, de vez em quando, "ficava-me em caminho" passar numa mercearia e taberna que um dos meus tios possuía. Não era mundo que me atraísse particularmente, mas o meu primo, bom companheiro, às vezes "adiantava-me" um macito de "Português Suave", uma grande ajuda para um vício novo e rico de um miúdo sem dinheiro para o sustentar e a querer armar-se em crescido.
Uma das minhas memórias, entre os os "avios", os copos dois e copos três ou “cortadinhos”, ainda não tinha chegado a moda da cerveja, é o rol dos fiados.
Tratava-se de um livro grosso comprido e com páginas estreitas onde se anotava
os avios que a cada semana as pessoas levavam ou, também, as compras diárias
que realizavam. Os meus tios anotavam a dívida, o fiado, de cada pessoa e ao
fim do mês, ou da semana, as contas eram saldadas.
Para a grande maioria das pessoas da minha zona o dinheiro
não abundava e a venda fiada era a forma de manterem a lida em funcionamento. É
certo que por vezes lá surgiam uns atrasos ou mesmo uns calotes quase
incobráveis, mas, de uma forma geral, o princípio da confiança funcionava.
Com o quase desaparecimento do comércio de bairro, as
relações de confiança também foram desaparecendo e, consequentemente, o rol dos
fiados vai-se transformando numa curiosidade histórica. As grandes superfícies
não têm cara, o Sr. Eugénio é uma funcionária de caixa anónima que todos os
dias é diferente e o cliente é um cartão que, frequentemente, nem os bons dias
dá.
Apesar dos riscos de dívida incobrável, a existência do rol
dos fiados era um atestado de comunidade, de relações personalizadas e da
confiança entre pessoas.
Fiquei contente quando há algum tempo que a D. Ana, vende
pão e legumes aqui no meu bairro numa pequena loja, tem um rol de fiados. Ela
ainda confia nas pessoas, mesmo nas que não chegam sempre com o dinheiro na mão
e isso é bom.
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