Um dia destes, estava num grupo de que faziam parte algumas crianças que se entretinham de forma variada. Um deles, num canto, não largava a consola. Aproximei-me e vi o gaiato, uns oito ou nove anos, a conduzir um bólide por uma pista cheia de outras bombas. Percebendo a minha curiosidade resolveu mostrar as suas habilidades de condução na consola. O miúdo era mesmo bom. Nem me atrevi a experimentar, ficaria envergonhado.
Os carros sempre fascinam os
miúdos. Quando eu tinha aquela idade também me atraíam. Para mais, na família
nem sequer tínhamos automóvel e a distância aumentava a
atracção.
O mais curioso é que naquele
tempo boa parte de nós, sobretudo os rapazes, como sabem os carros eram coisa
para rapazes, arranjávamos carro, os carros de rolamentos de esferas. Cada um
tinha o seu e, às vezes, até mais do que um. Com pouco dinheiro conseguia-se
uns rolamentos, o meu pai de vez em quando trazia lá do trabalho dele, era
serralheiro, ou, em alternativa, nos sucateiros do Gato Bravo também se
encontravam rolamentos variados e em conta. As tábuas, bem, as tábuas arranjavam-se numa
visita nocturna a alguma obra na zona porque aquelas tábuas grossas das
cofragens eram as melhores.
Os meus carros ficavam sempre um
espectáculo, desculpem a imodéstia, e faziam sucesso. Por vezes, quando não se
destinavam a corridas até tinham bancos, forrados com uns restos de alcatifa,
coisa fina, como vêem. Tinham travões, as ruas onde andávamos com os carrinhos
assim o obrigavam, que eram feitos com os saltos de borracha dos sapatos que
proporcionavam travagens eficientes. Sempre pintados com as tintas que se
surripiavam aos pais, até tinham faróis, tampas de latas pregadas nos sítios
adequados simulavam-nos de forma excelente. Tratava-se do mais genuíno tunning.
Quanto à condução, era adrenalina
da pura. Na velha Rua I, inclinada quanto baste e sem muito trânsito, grandes
corridas ali se fizeram e também grande “malhanços” se produziram e, devo
confessar, o alcatrão queima e esfola que não é brinquedo.
Mas é assim, mudam-se os tempos,
tudo fica diferente, mas devo confessar, enquanto o gaiato corria um qualquer
Grand Prix na consola, a mim consola-me a lembrança dos meus carrinhos de
rolamentos.
Mas isto é mesmo uma história de
velho, hoje não se pode brincar na rua e os carros de rolamento não andam em
casa.
Resta mesmo o consolo da consola.
Será?
Não, definitivamente não, podemos
e devemos fazer melhor.
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