quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A INCLUSÃO EM MODO DE ESPERA

 Um trabalho no JN com chamada a primeira página, divulga que a generalidade das medidas previstas para 2021 na Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência, a desenvolver entre 2021 e 2025, não foram cumpridas. Segundo a peça, o Ministério da Segurança Social entende que o atraso verificado se deverá ao facto de algumas medidas serem inovadoras e necessitarem de suporte técnico e que o tempo não foi suficiente. Acresce que, de acordo com organizações que intervêm nesta área, o Orçamento do Estado não contempla a Estratégia.

Confesso que esta justificação também me parece bastante inovadora e a situação constitui um notável exemplo de planeamento.

No trabalho do JN aborda-se ainda a questão do emprego das pessoas com deficiência que subiu 30% na última década atingindo o valor mais alto de sempre. Registe-se que na própria administração pública fracciona os concursos de forma a fugir à cota de 5% definida para ser ocupada por pessoas com deficiência.

Nada de novo, lamentavelmente. Os problemas que afectam as minorias dificilmente deixarão de ser problemas percebidos como minoritários e em tempos de maiores dificuldades os mais vulneráveis estão ainda mais expostos. Algumas notas em linha com o que muitas vezes aqui escrevo.

Na verdade, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Também para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias, área que melhor conheço, a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios e recursos educativos e especializados necessários. Não esqueço os bons exemplos e práticas que conhecemos, assim como sei do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

Uma referência ainda ao que deve ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.

É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada. A situação dura e já longa que atravessamos veio agudizar a situação.

O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

Não é por muito afirmar a escola inclusiva que a educação se torna inclusiva, o pensamento mágico tantas vezes expresso não … não é a realidade.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

O FUTURO PASSA POR AQUI

 Com a generalidade do ensino superior em final de férias e preparação do próximo ano lectiva, existe um pequeno nicho de ensino “universitário” que no final do Verão entra em franca actividade e sem aparentes sobressaltos.

Refiro-me às Universidades de Verão organizadas pelas diferentes estruturas partidárias. Em busca de identidade própria as designações variam, o PSD tem a sua Universidade de Verão que está a decorrer, o PS terá nos próximos dias a Academia Socialista, o CDS terá a Escola de Quadros, terminologia mais moderna e sofisticada, tendo outras organizações políticas iniciativas da mesma natureza integradas nessa coisa chamada “rentrée”.

Confesso que fico sempre impressionado com estas iniciativas e julgo que devem ser olhadas com particular atenção e valorizadas.

Em primeiro lugar porque penso que os estudantes que as frequentam, depois de passarem por sucessivos dispositivos de selecção e exames que certifiquem a qualidade da sua preparação, são certamente de um nível de excelência que autoriza pensar estarmos na presença de uma elite de que o país muito espera e, seguramente, beneficiará.

Por outro lado, é de registar a composição do corpo docente destas Universidades. Para além de figuras reconhecidas do mundo universitário, os estudantes têm a possibilidade de ouvir lições de notáveis “aparelhistas” dos respectivos partidos que carregam uma enorme formação, inicial e pós-graduada a que se junta uma enorme experiência em alpinismo social e político, em jogos de bastidores e em gestão de interesses que contribuirão de forma marcante para a formação dos jovens quadros que estão na incubadora, por assim dizer, e seguirão as passadas de figuras brilhantes e incontornáveis de ex-jovens quadros que ocupam as lideranças das diferentes estruturas partidárias e lugares de topo em todas as áreas da comunidade.

Na verdade, estas Universidades de Verão, Academias ou Escola de Quadros, culminam um longo trabalho de formação e qualificação realizado pelas juventudes partidárias e que, finalmente, é certificado com a excelência aqui atingida.

É nestas actividades académicas que se forjam verdadeiramente os líderes de amanhã, é importante segui-las com atenção. O futuro passa por aqui.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

DOS ALÇAPÕES DA NET

 Na imprensa de hoje retoma-se a questão dos “desafios” a que nas redes sociais crianças e adolescentes são estimulados a responder com graves riscos envolvidos. O recente e trágico caso da criança inglesa que faleceu após ter respondido ao “Blackout Challenge", um dos vários “desafios” que surgem no TikTok, constitui um exemplo dramático.

Muito se tem escrito e divulgado sobre estes processos, sobre a forma como se desenrolam, sobre os riscos das redes sociais ou jogos, precauções a considerar por pais e educadores e, por outro lado, o acréscimo de atenção dirigida a crianças ou adolescentes que, por várias razões, podem estar em situação de maior vulnerabilidade. É imprescindível estarmos "por dentro" deste contexto.

Por outro lado, a “net” é um mundo em constante e rápida mudança o que dificulta a supervisão e controlo dos mais novos sobre a sua utilização.

No entanto, é de sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável, ainda que os dados relativos aos riscos sejam, de facto, inquietantes.

As referências recorrentes ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados são, por assim dizer, um sinal dos tempos.

Relativamente à forma de lidar com esta quadro creio que, tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona.

São mais eficientes a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho, como também é nosso trabalho a exigência por mais eficazes dispositivos de controle de acesso e na natureza dos conteúdos.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, a que parece estarmos a voltar, em casa, muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e informação que estimulem auto-regulação e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas, sobretudo a situações que possam estar associadas a mal-estar, que podem ser como que portas abertas para cair num alçapão com consequências imprevisíveis.


sábado, 27 de agosto de 2022

UM MUNDO ÀS AVESSAS

 As coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem.

Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.

Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.

Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.

Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.

Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.

Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.

Na verdade, ...

Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.

Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.

Parece que anda às avessas.

Apesar de tudo e sempre, talvez seja de recordar a ideia atribuída Mandela, a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

Vem esta introdução a propósito do perturbador episódio que envolve um bebé de quatro meses internado em estado crítico aparentemente vítima de maus-tratos em contexto familiar.

É o mundo às avessas.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

NÃO PARECE UM BOM CAMINHO

 O que se vai conhecendo das eventuais alterações a introduzir no quadro de habilitações exigidas para ser professor continua a suscitar dúvidas. Por outro lado, para além do cenário crítico de falta de docentes e numa perpectiva mais global, urge repensar a carreira docente, considerando dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos. Só mudanças integradas podem sustentar a atractividade, a estabilidade e, naturalmente, a qualidade da profissão docente.

Também não sossega a perspectiva de que que quem concorrer com o que vier a ser considerado “habilitação própria” não acede à carreira pois não resolve a falta de docentes, a questão da estabilidade e alimenta o risco da “desprofissionalização” ou, de recorrendo a uma ideia que já tenho referido a de deskilling” promovendo concepção “empobrecida”, diria “embaratecida”do professor e da sua função.

Neste quadro pode vir a desenhar-se uma visão de que os docentes cumprem ordens e programas, não têm que fazer grandes escolhas, possuir conhecimento aprofundado em diferentes áreas, solidez nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns burocratas, agora mais burocratas digitais a papaguear, fabricar, aulas para grupos de alunos "normalizados".

Como já escrevi, os professores poderão ser então basicamente considerados como “entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original), burocratiza-se ainda mais a “medição de saberes” apoiados em fórmulas de gestão “plataformizadas” em modelos “digito-burocratas" construídas num qualquer serviço centralizado ou num cenário de “descentralização” que, de facto, não promove uma autonomia robusta das escolas cujo modelo de governação é parte desta equação.

Este trajecto, a confirmar-se pode vir a tornar os professores mais “baratos” e a base de recrutamento pode ser alargada, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um técnico de …

A ver vamos, como se diz por aqui.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

AO PERTO E AO LONGE

 Em Julho fui convocado para cumprir o protocolo anual da consulta da medicina do trabalho, uma boa invenção, apesar de estranhar fazê-lo na condição de aposentado ainda que com alguma actividade profissional.

Entre as observações e exames por que passei realizei um rastreio visual. Lá me esforço por disfarçar limitações e fui brindado com um forte elogio à minha visão ao longe. Acho mesmo que, passe a imodéstia, impressionei a técnica, "100% por cento de visão com os dois olhos, é muito bom na sua idade", disse. É claro que fiz de conta que não ouvi a simpática referência à idade que já me deveria ter condenado a ver mal ao longe, tal como vejo mal ao perto.

Fiquei a pensar e gostava de poder trocar. Gostava de ver bem ao perto, o que está perto cada vez me parece “mais mal”, não gosto mesmo de muito do que vejo por perto. Nem com a mudança de lentes o que anda por perto me parece bem.

Por outro lado, não me adianta muito ver bem o que está longe, está longe, ainda não está próximo. Quando estiver próximo certamente passarei a ver mal.

Não sei como poderei resolver este problema.

Bom, tenho sempre a possibilidade de fechar os olhos ou fingir que não vejo. É uma questão de experimentar. Para muita gente funciona.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

DA SÉRIE APRENDIZAGENS ESSENCIAIS, OS PÉS-DE-BURRO

 Como se costuma dizer por aqui, num monte e a qualquer altura só não há trabalho se um homem não quiser.

Nesta altura do ano vai sendo tempo de começar a limpar os pés-de-burro, os rebentos que surgem no tronco e na base das oliveiras.

Para além de ficarem mais bonitas, a limpeza permite ter material que depois de triturado vai para compostagem e a terra da horta vai beneficiar.

Felizmente, por estes dias em que, lamentavelmente, não temos a companhia do Mestre Zé, contamos com mão-de-obra acrescida, os netos, o Simão e o Tomás, estão por cá. É certo que não aguentam muito tempo, mas enquanto “duram” trabalham com empenho. Espero que não constitua um caso de utilização indevida de mão-de-obra infantil.

Assim, esta manhã e até o calor começar a ficar áspero, equipados com sacho, enxada, tesoura e tractor para carregar, andámos os três na lida dos pés-de-burro. E rendeu, tenho um moitão para triturar no fim da tarde. Depois, bom depois, foram para uns mergulhos no tanque da rega que sendo alimentado pela nascente que felizmente ainda corre tem a água está sempre fria. 

Talvez não sejam aprendizagens essenciais, não constam do currículo escolar, mas eles divertem-se a sério. E eu com eles.

Agora que calor aconselha a ficar debaixo de telha, por estranho que possa parecer, divertem-se a brincar às escolas, o Simão, 4º ano, está a “dar aulas” ao Tomás que vai começar o 1º ano e pede para ler “coisas”.

E são, também assim, os dias mágicos do Alentejo. São essenciais para nós.



terça-feira, 23 de agosto de 2022

MESTRE ZÉ, NÃO SE ESQUEÇA DO QUE COMBINÁMOS

 Quem por aqui vai passando já se cruzou com o Mestre Zé Marrafa. É a nossa ajuda na lida no monte e na companhia há quase trinta anos, neste últimos já com a ajuda do Valter. O Mestre Zé está a passar mal, o enorme coração que ele tem traiu-o e vamos ver como vai ser, mas está difícil, ele que sempre me respondia que estava “rijo”.

Hoje tenho-me lembrado muito dele, das lérias, da história de vida, da mestria sobre o campo e sobre o mundo que sempre foi o dele e, inevitavelmente, recordo que já vai um pouco para além dos oitenta, mas estava com a gente na lida, o Mestre Zé é um homem vontadeiro, um dos muitos termos que aprendi com ele.

O Mestre Zé diria que não tem nada ver com a idade. Lembro-me de uma vez, num dia quente como este, ele se queixar de uma dor no joelho. Sem saber como ajudar e para me meter com ele fiz aquele comentário inteligente e habitual em situações em que a queixa provém de alguém já com uma estrada longa, por assim dizer, "é da idade Mestre Zé"

O Velho Marrafa olhou para mim e no seu jeito de sempre decretou:

“Não Sô Zé, isto não é da idade, o outro joelho não me dói e eles são os dois da mesma idade”.

É isso Mestre Zé, tem de voltar. Lembre-se que combinámos fazer o primeiro descortiçamento a uns sobreiros que plantámos em 2011 e que demora 25 anos. Faltam 14 anos, você terá 96 e eu 82. E nunca deixámos uma promessa por cumprir.

Até logo Mestre Zé e ponha-se bem.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

DA SÉRIE, SIM, SÃO CAPAZES

 No DN encontra-se um trabalho sobre o percurso de vida do Francisco, “A incrível viagem de Francisco dava um filme. Ele é capaz de nos dar muitos” que merece leitura e é verdadeiramente um exemplo e uma inspiração.

O Francisco tem trissomia 21, completou um Curso Técnico Superior Profissional e frequenta o segundo ano de uma licenciatura. Entretanto, escreveu um livro, “Aprender É Para Todos” para partilhar a sua experiência pois, "Se nos derem oportunidades, nós trabalhamos e aprendemos. Gostava que os jovens olhassem para mim, tenho muitas dificuldades, mas tenho motivação suficiente para as compensar. Todos podem ver no meu livro", afirma o Francisco.

Algumas notas repescadas.

A verdade, mais uma vez e sempre, é que sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que as pessoas, mais novas ou mais velhas, com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente, seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos, tão longe como qualquer pessoa. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, o que todos podemos fazer, provoca progresso, o progresso possível e níveis de realização significativos.

E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas, empregadores e toda a restante comunidade.

No entanto, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.

Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de pessoas, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem e formação, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.

Mais uma vez. A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade) e Aprender (como qualquer pessoa para potenciar as suas capacidades adquirindo competências, qualificações e saberes). Estas dimensões devem ser operacionalizadas assentes em modelos de diferenciação justamente para que acomodem e respondam à diversidade das pessoas e promovam autonomia e autodeterminação.

É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens, mas também por cá, mostram que não é utopia.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

domingo, 21 de agosto de 2022

NOVAS FAMÍLIAS

 No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre as alterações na configuração das famílias em Portugal. A análise assenta em dados do Eurostat.

Em termos sintéticos, as famílias têm menos crianças e mais tarde, aumenta o número de famílias multinucleares, monoparentais e reconstituídas como também sobe o número de pessoas que vivem sós.

São regulares na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares.

No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.

Esta minha questão releva do entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças.

A verdade é que as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias implicam uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.

Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o então MEC se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.

Por outro lado, no caso de famílias monoparentais, cujo número está em crescimento, também é frequentemente referida a dificuldade acrescida no contexto da educação familiar

Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.

Tem vindo a crescer o número de situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação o que pode causar alguma perplexidade e mal-estar nas crianças sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas. Na mesma configuração temos também a situação de pais "casados por fora" e "descasados por dentro" vivendo como que um “fingimento” familiar, frequentemente com a desculpa dos filhos. As crianças são inteligentes e é preferível uma “boa separação” a uma “má família”, as crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.

A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.

Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos.

E envolvem famílias de diferentes configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.

sábado, 20 de agosto de 2022

E PORQUE NÃO UMA HISTÓRIA FELIZ?

 À procura de uma ideia para a escrita passo os olhos pela imprensa ou penso em alguma ideia que possa alimentar um pequeno texto.

Num dia áspero de calor aqui pelo Alentejo, a imprensa é uma colecção de inquietações e só inquietações me vinham à cabeça.

Às tantas pensei, e se fosse uma história feliz?

 

Era uma vez um Homem, casado com uma Mulher e que tinha quatro Filhos. Vivia com algumas dificuldades porque o emprego que o Homem e a Mulher tinham na mesma fábrica era mal pago e queriam que os filhos tivessem tudo o que gostavam e que estudassem para ser pessoas qualificadas na vida. Um dia aconteceu uma desgraça, a fábrica fechou e o Homem e a Mulher ficaram desempregados. A vida ficou ainda mais difícil.

Alguns dias depois, o Homem, que tinha com todo o sacrifício continuado a jogar no Euromilhões com a aposta mínima, foi bafejado com um prémio de alguns milhões.

A família toda, o Homem, a Mulher e os Filhos ficaram muito contentes e nunca mais passaram dificuldades e foram muito felizes”.

 Não é assim grande coisa, é mesmo poucochinha, mas conta a intenção.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

EM CASA DOS PAIS ATÉ QUANDO?

 Dados do Eurostat divulgados no Público mostram que em 2021 Portugal foi o país da UE em os jovens saem mais tarde de casa dos pais, em média aos 33,6 anos. A média situa-se nos 26,5 sendo a Suécia o país em que os jovens saem mais cedo, 19 anos seguido da Finlândia e Dinamarca, 21,2 e 21,3. É também de registar que em todos os países as mulheres saem mais cedo da casa dos pais.

Recordo que a Caritas divulgou em 2018 um Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!” no qual também se reconhecia a dificuldade dos jovens portugueses em construir projectos de vida autónomos e positivos.

Nesse trabalho eram identificadas como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação.

Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais cada vez mais tarde. Para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar, bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens e implicações da crise decorrente da pandemia sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido.

Temos ainda um número muito significativo (14,1% de acordo com o Eurostat) de jovens entre os 20 e os 34 anos que não estudam, nem trabalham, nem estão em formação, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training). Acresce que uma parte significativa não está inscrita nos Centros de Emprego.

Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo os jovens com menos qualificações o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.

A estes indicadores já profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.

Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.

No entanto, um efeito muito significativo, mas menos tangível desta precariedade no emprego e na construção de um projecto de vida autónomo e sustentado, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.

O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência, mas potenciar o risco da desistência o que certamente poderá ter implicações séria.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

VAI CORRER BEM

 No contexto da actual e previsível falta de professores, o ME decidiu que os cidadãos com licenciaturas pós-Bolonha podem aceder à docência através da contratação de escola. Para acesso à carreira de professor continuará a ser exigido um mestrado em ensino.

Embora ainda não se conheça o cenário final em matéria de requisitos de formação, a decisão tem levantado algumas dúvidas apesar do reconhecimento da falta de docentes e da dificuldade de a curto prazo poder ser minimizada.

Como sou optimista creio que vai correr bem. Algumas notas.

Como é reconhecido em Portugal temos um universo sem fim de especialistas em educação. Qualquer cidadão que tenha visto uma criança na rua, falado duas ou três vezes com adolescentes ou, naturalmente, tenha filhos é um especialista em educação.

Por outro lado, todos os potenciais candidatos andaram na escola e conheceram professores, possuem, assim, um lastro de experiência que será obviamente mobilizada quando entrarem na sala de aula.

Também sabemos que se vive em plena onda de “capacitação”, o que que permite uma oferta sem fim nos conteúdos, nos formatos e na duração de dispositivos de formação que, obviamente, minimizará rapidamente alguma eventual necessidade.

Um outro dado que me parece contributivo para o a tranquilidade deste processo é o clima das escolas e o seu modelo de funcionamento e liderança, professores com tempo e disponibilidade para apoio e cooperação com os novos colegas, recursos e apoios suficientes que contribuirão para o sucesso do trabalho, podendo ainda contar com os benefícios da municipalização da educação em todas as áreas de competência.

Acontece ainda que também sabemos que para além do conhecimento é preciso “jeito” e “perfil” para ser professor. Todos tivemos professores altamente qualificados em que não lhes reconhecíamos o “jeito” e professores menos habilitados com quem gostámos de trabalhar e aprendemos, tinham “jeito”, lá está.

O que pode acontecer é que estes novos professores que venham a revelar “jeito” e saber não acedem à carreira de docente. No entanto, também me parece que com o actual modelo de carreira, com o estatuto social e salarial existente, a carreira docente será um projecto de vida pouco atractivo. A ver vamos.

 Nota - Apesar do tom deste texto, compreende-se a medida, mas continua em aberto a necessidade de  alterações mais significativas que promovam a atractividade da carreira docente, o modelo de carreira, a estabilidade dos professores, a sua valorização social e salarial. Sem passos significativos neste sentido julgo que não mudaremos de forma estrutural esta questão.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

OS MIÚDOS E OS CARROS

 Um dia destes, estava num grupo de que faziam parte algumas crianças que se entretinham de forma variada. Um deles, num canto, não largava a consola. Aproximei-me e vi o gaiato, uns oito ou nove anos, a conduzir um bólide por uma pista cheia de outras bombas. Percebendo a minha curiosidade resolveu mostrar as suas habilidades de condução na consola. O miúdo era mesmo bom. Nem me atrevi a experimentar, ficaria envergonhado.

Os carros sempre fascinam os miúdos. Quando eu tinha aquela idade também me atraíam. Para mais, na família nem sequer tínhamos automóvel e a distância aumentava a atracção.

O mais curioso é que naquele tempo boa parte de nós, sobretudo os rapazes, como sabem os carros eram coisa para rapazes, arranjávamos carro, os carros de rolamentos de esferas. Cada um tinha o seu e, às vezes, até mais do que um. Com pouco dinheiro conseguia-se uns rolamentos, o meu pai de vez em quando trazia lá do trabalho dele, era serralheiro, ou, em alternativa, nos sucateiros do Gato Bravo também se encontravam rolamentos variados e em conta. As tábuas, bem, as tábuas arranjavam-se numa visita nocturna a alguma obra na zona porque aquelas tábuas grossas das cofragens eram as melhores.

Os meus carros ficavam sempre um espectáculo, desculpem a imodéstia, e faziam sucesso. Por vezes, quando não se destinavam a corridas até tinham bancos, forrados com uns restos de alcatifa, coisa fina, como vêem. Tinham travões, as ruas onde andávamos com os carrinhos assim o obrigavam, que eram feitos com os saltos de borracha dos sapatos que proporcionavam travagens eficientes. Sempre pintados com as tintas que se surripiavam aos pais, até tinham faróis, tampas de latas pregadas nos sítios adequados simulavam-nos de forma excelente. Tratava-se do mais genuíno tunning.

Quanto à condução, era adrenalina da pura. Na velha Rua I, inclinada quanto baste e sem muito trânsito, grandes corridas ali se fizeram e também grande “malhanços” se produziram e, devo confessar, o alcatrão queima e esfola que não é brinquedo.

Mas é assim, mudam-se os tempos, tudo fica diferente, mas devo confessar, enquanto o gaiato corria um qualquer Grand Prix na consola, a mim consola-me a lembrança dos meus carrinhos de rolamentos.

Mas isto é mesmo uma história de velho, hoje não se pode brincar na rua e os carros de rolamento não andam em casa.

Resta mesmo o consolo da consola. Será?

Não, definitivamente não, podemos e devemos fazer melhor.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

DO "PORTUGAL INACESSÍVEL"

 No DN encontra-se um trabalho, Portugal inacessível. Pessoas com mobilidade reduzida não entram em lojas e restaurantes, que mais uma vez chama a atenção para contínua corrida de obstáculos em que se transforma o quotidiano de muitos cidadãos com mobilidade reduzida na generalidade dos nossos espaços urbanos.

Lamentavelmente, é recorrente chamada de atenção para estas questões por parte de cidadãos e associações, mas apesar de algumas mudanças e da existência de enquadramento legislativo mais adequado, a realidade é ainda muito pouco amigável para a qualidade de vida de muitas pessoas.

Recordo que em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Como referi em cima e acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos estabelecimentos comerciais de múltipla natureza são, na prática inacessíveis a pessoas com mobilidade reduzida?

Quantos …?

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação, trabalho, saúde (este ano subiram significativamente as queixas nesta área) segurança social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O CAJÓ FOI À PRAIA

 O Cajó acordou a pensar em ir à praia, à Costa da Caparica. O Cajó é um rapaz meu amigo que é mecânico e faz uns biscates para a malta do “chunning” (que é o tunning de quem não tem dinheiro). Acordou a Odete e disse-lhe para ela pôr na geleira umas “mines”, uns “semóis” para os miúdos e umas sandes, que iam todos para a praia. Tinham que ir cedo porque é Domingo e o pessoal vai todo para a praia.

Não começou muito bem porque o Punto não queria pegar e o Tólicas, o mais velho, não encontrava a bóia que tinham dado no Lidl. Chegaram à Ponte e, para ajudar, levaram uma hora para a atravessar. Os miúdos já estavam a começar a desatinar, mas a Micas, a mais nova, lá se calou e adormeceu. O Cajó só dizia para a Odete, crise, qual crise, guito para a praia não falta. Finalmente, chegou à Costa e teve sorte, arranjou um lugar para estacionar embora a tapar a saída a outro carro. Mas o Cajó achava que o gajo do carro era capaz de só sair depois deles e, portanto, “tá-se bem”.

Na praia, estava maré cheia e o espaço não abundava. Assim, pediu desculpa a um casal simpático que estava ali, afastaram-lhe as toalhas e estendeu as toalhas para a família toda. A geleira ficou debaixo do chapéu-de-sol que dizia Sporting, uma oferta do cunhado, um ganda lagarto. Para aquecer um bocado antes do mergulho, e porque já não aguentava o cheiro da Odete toda besuntada para se estender ao sol, foi jogar à bola com o Tólicas. Mas como havia muita a gente, estava chato para jogar, porque estavam sempre a acertar com a bola nuns velhos que nem se desviavam, parecia que faziam de propósito para arranjar confusão. Foram então ao banho, mas a água estava fria “como ó caraças” e resolveu estender-se ao Sol um bocado.

Então o Cajó reparou que, pertinho, estava uma miúda “boa comó milho”, pôs-se mais a jeito, e para disfarçar, que a Odete é ciumenta “à brava”, enfiou os óculos escuros, por acaso muito giros, marca Ray-Ban, que tinha comprado no mercado por 5 euros a um indiano. Às tantas, a Odete topou que ele não tirava os olhos da miúda do lado e armou uma peixeirada das antigas. Ficou o caldo entornado, comeram as sandes e o Cajó mandou arrumar a tralha para não apanhar bicha na Ponte na volta para casa. Quando chegou ao carro, quase que se pegou à pancada como o dono do carro que estava entalado e já estava à espera, disse ele, há uma hora. Lá se acalmaram.

Toda a gente deve ter pensado como o Cajó. Gastou mais uma hora e tal, mas lá conseguiu chegar a casa, os putos todos amassados a dormir no banco de trás do Punto, a Odete com umas trombas pior que a mãe e o Cajó a pensar para consigo, “Mas quem é que me mandou ir prá praia, porra. Tinha ido, sozinho, dar uma volta até ao Centro Comercial, via as miúdas à mesma, bebia umas imperiais, estava fresquinho, não gastava gasolina e não me chateava”.

domingo, 14 de agosto de 2022

DOS SEM-ABRIGO

 Lê-se no DN que em 2021 foram retiradas das ruas mais de 700 pessoas sem-abrigo totalizando cerca de 1800 o número de pessoas que saíram dessa condição nos últimos dois anos.

Segundo Henrique Joaquim, coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo este resultado decorre da existência de "muito mais pessoas no terreno a intervir, a sinalizar e a identificar estas situações", e o "aumento de uma forma brutal das respostas de acolhimento, mudando o paradigma da intervenção". Estima-se que em 2021 existiriam cerca de 9000 pessoas nesta condição. Apesar da melhoria na prevenção e intervenção, o caminho a percorrer é ainda muito e difícil. E mais difícil se torna em tempos de dificuldades acrescidas das comunidades.

Henrique Joaquim referiu ainda aos recursos para medidas no âmbito do acolhimento e a criação de comunidades de inserção no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência.

Considerando a experiência de Henrique Joaquim e a sua própria avaliação dos recursos e vontades disponíveis quero acreditar num processo com alguns resultados. A ver vamos.

No entanto, parece-me que não devemos esquecer que é muito grande o mundo dos sem-abrigo. São muitos, demasiados, os sem-abrigo do mundo.

São muitos, os sem-abrigo num porto que os acolha, uma casa, uma família, um espaço a que dêem vida e que lhes apoie a vida.

São muitos, os sem-abrigo, mesmo em famílias e em instituições.

São muitos, os sem-abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.

São muitos os sem-abrigo em escolas onde não cabem.

São muitos, os sem-abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem-abrigo em culturas que não entendem e que não querem entendê-los.

São muitos, os sem-abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.

São muitos, os sem-abrigo em valores que predominam, mas não os reconhecem.

São muitos, os sem-abrigo em vidas que lhes não pertencem, mas carregam. São muitos, os sem-abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.

Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem-abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

sábado, 13 de agosto de 2022

O RISCO DA "DESPROFISSIONALIZAÇÃO"

 Em linha com o que tem vindo a ser afirmado, talvez para ir preparando o caminho, o ME anunciou, "Estamos a ultimar uma alteração ao despacho para habilitações para a docência que vai permitir alterar e alargar o leque de candidatos para a docência".

Não tenho dúvidas de que seja necessário ajustar o modelo de acesso à carreira, até independentemente das actuais circunstâncias, de falta de professores.

Vamos aguardar para ver a natureza das alterações, mas, como também já tenho referido, temo o risco de “desprofissionalização” dos docentes. Esta “desprofissionalização” pode ir acontecendo através de medidas desta natureza, mas também através da timidez na promoção da autonomia das escolas associada aos efeitos da "municipalização” em curso ou projectos de intervenção nas escolas realizados em “outsourcing”.

Este movimento não é de agora e não começou por cá. Tem vindo a fazer o seu caminho em diferentes sistemas emergiu na década de 80 sob a designação de “deskilling” promovendo concepção “empobrecida”, diria “embaratecida”do professor e da sua função. Nesta visão, os docentes cumprem ordens e programas, não têm que fazer grandes escolhas, possuir conhecimento aprofundado, solidez nas metodologias, valores éticos e morais, etc. Seria suficiente uns burocratas, agora mais burocratas digitais a papaguear, fabricar, aulas para grupos de alunos "normalizados".

Os professores serão basicamente “entregadores de conteúdos”, (content delivers na formulação original), burocratiza-se ainda mais a “medição de saberes” apoiados em fórmulas de gestão em modelo “digito-burocrata construídas num qualquer serviço centralizado ou com um modelo que apesar de “descentralizado” não atribui, de facto, autonomia robusta às escolas cujo modelo de governação é parte desta equação.

Definitivamente, este não poderá ser o caminho. Não podemos correr um risco de “desprofissionalização” que pode tornar os professores mais “baratos” e a base de recrutamento pode ser alargada, mas o nosso futuro será mais caro por pior qualidade, um professor de … é muito mais que um técnico de …

Todas as necessárias mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem-sucedidas com o envolvimento e valorização dos professores, das suas competências e das suas carreiras, mas também, naturalmente, com a sua avaliação justa, transparente e competente.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

DA ESTABILIDADE DOS PROFESSORES

 No Expresso divulga-se um trabalho realizado pelo Centro de Economia da Educação da Universidade Nova de Lisboa sobre a rotatividade do corpo docente nas escolas portuguesas considerando o período de 2008/09 a 2017/18. No último ano 90% das escolas tinham mudado 20% dos professores. No entanto, esta mudança é bastante mais elevada em escolas em que o nível de escolarização familiar (mães) é mais baixo e também em o número de alunos carenciados é mais elevado

Não é surpreendente que os profissionais que desempenham funções em contextos considerandos mais difíceis e sendo possível tentem a mudança para escolas consideradas como tendo ambientes mais tranquilos e favoráveis ao ensino e à aprendizagem.

São dados que nos merecem atenção, sabemos que a estabilidade dos corpo docente é uma variável importante na qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas.

O Expresso recorda uma entrevista do Ministro da Educação que em Maio afirmava que trabalhar em contextos educativos mais desfavorecidos exige um conjunto de “competências que nem todos os professores têm" e ainda que os professores “não foram formados para lidar com essa diversidade, o que gera frustração. Foram formados para serem professores de bons alunos. Era como formar médicos para verem só pessoas saudáveis. A formação tem de ser reconfigurada".

Nenhuma dúvida sobre a importância da formação na qualidade do desempenho de qualquer grupo profissional e também, evidentemente, nos professores. Por outro lado, sabemos que de todas as instituições de formação de professores chegam à actividade profissional docentes com perfis bem diferenciados, ou seja, existem um conjunto de outras variáveis que estão associadas à qualidade do desempenho individual de um professor para além da formação inicial ou em serviço, embora se espere, naturalmente que sejam de qualidade e adequadas às mudanças e que inevitavelmente acontecem.

Neste sentido e começando pelo contexto escolar, o que pode contribuir para a qualidade dos territórios educativos, promovendo mais e melhor sucesso nos alunos e também maior estabilidade dos docentes passa, sem hierarquizar, pela definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

Por outro lado, como também tenho por aqui escrito e afirmado, é urgente repensar a carreira docente, considerando dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos.

Os autores do estudo, referem alguns destes aspectos também como contributivos para a maior fixação dos docentes.

Finalmente, uma nota para relembrar que as características contextuais estão associadas aa um conjunto de políticas públicas que envolvendo a educação, estão para além da educação, tais como, políticas sociais, de saúde, de emprego, de habitação e urbanismos, etc.

Se não conseguirmos algumas transformações vamos ter as escolas de que fogem os que podem, professores, funcionários e alunos, que servem os contextos onde só habita quem não consegue sair e alimentam-se desigualdades e dificuldades.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

APRENDIZAGENS ESSENCIAIS, OU TALVEZ NÃO

 A terminologia que vai sendo criada em matéria de educação, aliás, como noutras áreas, deixa-me vezes um pouco confuso, deve ser da idade, ou pior, da ignorância. Um dos últimos exemplos remete para a definição de aprendizagens essenciais, coisa que não me parece assim muito clara.

Aparentemente, as aprendizagens não constituirá matéria para férias, é coisa da escola. A questão é que existirão muitas aprendizagens que sendo essenciais, não constam dos conteúdos curriculares, ficam para as férias por exemplo.

Por aqui no Monte a tarefa básica de Verão é a rega da horta e dos pomares e a plantação mais tardia de alguma coisa que acabará na mesa. Daqui a uns dias começamos na limpeza dos pés de burro das oliveiras que faz bem à árvore e facilita a apanha da azeitona que este ano não será tanta como no ano passado

A rega é uma tarefa em que os meus netos gostam de colaborar, Ontem ao fim da tarde o Simão e o Tomás, ajudaram na rega de uns sobreiros novos que ainda precisam de água para se fazerem. E se ajudaram! Encheram a cisterna depois de colocada no tractor e iam regando os sobreiros, ficando para mim a condução, um trabalho  leve. Eles acham que eu já estou assim um bocado velhinho para estar a subir e descer do tractor. Um exagero simpático, é claro.

É uma actividade que, naturalmente, não fará parte do currículo escolar, mas tenho a certeza que, tal como eu, a consideram uma aprendizagem essencial.

E são, também assim, os dias de calor áspero do Alentejo.



quarta-feira, 10 de agosto de 2022

PARTIU UM MÁGICO, CHALANA

 Partiu um mágico, o “Chalana”. A minha paixão pelo futebol que, acredito, ter nascido ao mesmo tempo que eu, foi e é alimentada pelos mágicos que foram pisando os relvados nas últimas décadas.

Fernando Chalana foi um deles e logo com a camisola certa, perfeito. Um pé esquerdo surpreendente de um homem que sempre disse ser destro, marcava os penalties com o pé direito. Era o sol num estádio.

Chalana alimentou o encanto do futebol e são os mágicos como ele que salvam o futebol de caminhos e processos que o ameaçam seriamente.

São eles, os mágicos como o Chalana, que levam os miúdos a correr atrás de uma bola, não é o dinheiro, é o sonho.

Obrigado, Chalana.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

A PEGADA ÉTICA

 Um dos eixos dos Planos de Recuperação e Resiliência a desenvolver pelos países da UE para os anos pós-pandemia, é a transição ambiental, na qual, aliás, Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer, ainda que não esteja sozinho.

A verdade é que apesar da lentidão da mudança o despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.

Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes, mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do seu peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.

No entanto, do meu ponto de vista e também preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos continuar, vejo poucas referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética.

Os comportamentos, discursos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, as várias lideranças de diferentes áreas, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir. Não passa semana que não tenhamos mais um episódio ilustrativo desta pantanosa pátria nossa amada.

Nas sociedades democráticas é exigido que os quadros legais sejam protectores e promotores dos direitos dos cidadãos. No entanto, tanto ou mais do que a “qualidade” do quadro legal importa a robustez ética da cidadania, em particular dos cidadãos com funções mais relevantes nas diferentes áreas de funcionamento das comunidades.

Os sucessivos episódios, comportamentos e discursos a que recorrentemente assistimos são a prova da imperiosa necessidade de reconfigurar padrões éticos.

Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida, pela sustentabilidade do planeta ou pelo futuro, o que quiserem.

Em termos mais pragmáticos e face aos numerosos e despudorados incidentes que regularmente surgem, talvez fosse de considerar a instalação urgente de uma ETAR – Estação de Tratamento do Ambiente da República.

Gostava de acreditar que ainda estaremos a tempo de recuperar o ambiente da República.

Haverá ETAR que responda? Sim, nós.

 PS – Estas notas não têm rigorosamente a ver com o episódio da contratação de Sérgio Figueiredo pelo Ministro Fernando Medina para “prestar serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas.” O currículo do consultor e a solidez ética do processo são robustas pelo que, como sempre nada pesará na consciência dos envolvidos na decisão. Faltará certamente um consultor em políticas ético-ambientais que lhes explique, primeiro, que não somos parvos, segundo, o que significa consciência.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE (mais uma vez)

 No Público aborda-se hoje uma situação que justifica alguma reflexão. O Instituto de Segurança Social desencadeou um inquérito a uma instituição que tutela um Centro de Acolhimento de Emergência para crianças em risco.

Uma criança de nove anos está nesta situação há dois anos e meio, é suposto que o acolhimento de emergência seja de curta duração, e os serviços que acompanham o processo da criança entendem que a relação com a família biológica está em reconstrução pelo que a criança poderia (deveria) passar os fins-de-semana com a família no sentido de preparar o seu regresso ao que lhe é devido, uma família, o que foi aceite pelo Tribunal.

A instituição recusa cumprir a decisão com base, ao que parece, no seu regulamento interno e no entendimento de que, cito o director, “As crianças que estão connosco não andam de um lado para outro no fim-de-semana”, “Acaba por ser comum os pais queixarem-se ao tribunal. É um assunto que em qualquer altura terá de ser resolvido. Para nós está resolvido.”

Há aqui qualquer coisa de estranho. Assim como as famílias (os pais) não são donos dos filhos, veja-se o caso lamentável que envolve os pais que proíbem os filhos de frequentar as aulas de Educação e cidadania com um argumentário insustentável, também as instituições não são donas das crianças. Aliás, a sua existência, sabemos que são necessárias, assenta, naturalmente, na protecção do superior interesse da criança. E é preciso que assim seja.

A questão é que como tenho abordado, apesar de alguma evolução temos ainda um cenário complexo e excessivo em matéria de institucionalização de crianças e jovens. É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Uma entrevista de Robbie Gilligan, Professor de Serviço Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, dada ao Público em 2018 ainda merece leitura.

Um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família biológica, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Recordo um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, são tóxicas, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Esperemos que também este caso o princípio prevaleça. Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

domingo, 7 de agosto de 2022

O ROL DOS FIADOS

 Quando era adolescente, de vez em quando, "ficava-me em caminho" passar numa mercearia e taberna que um dos meus tios possuía. Não era mundo que me atraísse particularmente, mas o meu primo, bom companheiro, às vezes "adiantava-me" um macito de "Português Suave", uma grande ajuda para um vício novo e rico de um miúdo sem dinheiro para o sustentar e a querer armar-se em crescido.

Uma das minhas memórias, entre os os "avios", os copos dois e copos três ou “cortadinhos”, ainda não tinha chegado a moda da cerveja, é o rol dos fiados. Tratava-se de um livro grosso comprido e com páginas estreitas onde se anotava os avios que a cada semana as pessoas levavam ou, também, as compras diárias que realizavam. Os meus tios anotavam a dívida, o fiado, de cada pessoa e ao fim do mês, ou da semana, as contas eram saldadas.

Para a grande maioria das pessoas da minha zona o dinheiro não abundava e a venda fiada era a forma de manterem a lida em funcionamento. É certo que por vezes lá surgiam uns atrasos ou mesmo uns calotes quase incobráveis, mas, de uma forma geral, o princípio da confiança funcionava.

Com o quase desaparecimento do comércio de bairro, as relações de confiança também foram desaparecendo e, consequentemente, o rol dos fiados vai-se transformando numa curiosidade histórica. As grandes superfícies não têm cara, o Sr. Eugénio é uma funcionária de caixa anónima que todos os dias é diferente e o cliente é um cartão que, frequentemente, nem os bons dias dá.

Apesar dos riscos de dívida incobrável, a existência do rol dos fiados era um atestado de comunidade, de relações personalizadas e da confiança entre pessoas.

Fiquei contente quando há algum tempo que a D. Ana, vende pão e legumes aqui no meu bairro numa pequena loja, tem um rol de fiados. Ela ainda confia nas pessoas, mesmo nas que não chegam sempre com o dinheiro na mão e isso é bom.

sábado, 6 de agosto de 2022

PARTIU JÔ SOARES

 Aos  84 anos partiu Jô Soares. Um Homem que fazia do riso e do humor um acto de inteligência, empatia e humanidade. Parece fácil, mas poucos o fazem como Jô Soares mostrou.



sexta-feira, 5 de agosto de 2022

DA FUNÇÃO DE DIRECÇÃO DE TURMA

 Ao que imprensa refere, das reuniões entre ME e a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) e Federação Nacional de Educação (FNE) resultou a decisão de iniciar em Setembro um processo conducente à revisão do modelo de recrutamento e colocação dos professores. Veremos os efeitos desse processo a que se ligarão as anunciadas intenções de ajustar as habilitações exigidas para a docência. Importa que tal iniciativa, necessária e urgente, não contenha um uma um risco de “desprofissionalização” dos docentes. A ver vamos.

Das reuniões da tutela com a FNE e a Fenprof também terá resultado a intenção de combater a burocracia que atropela professores e escolas. Nesse sentido, o ME procederá a um levantamento do “trabalho administrativo e burocrático dos professores, com foco principal nos directores de turma” para “tentar reduzir a carga administrativa”, segundo afirmação do ME.

A diminuição da carga burocrática é imperativa. No caso da função direcção de turma é crítica pelo que o anúncio é positivo.

É consensual que a função Direcção de Turma assume um papel central no nosso sistema educativo, sendo, lamentavelmente, pouco cuidadas e promovidas as condições para o seu desempenho com qualidade. Na verdade, a actividade do DT, para usar a linguagem da escola, tem um conjunto dimensões de extraordinária importância. Vejamos alguns aspectos, obviamente conhecidos, sem preocupação de hierarquia.

O DT é o interlocutor dos pais e encarregados de educação. Toda a comunicação e relação entre a família e a escola, cuja relevância é dispensável acentuar, assentam no DT. A realização das Reuniões de Pais e Encarregados de Educação, a comunicação regular entre pais e escola são dispositivos da sua responsabilidade e a forma como a sua função é desempenhada pode ser um fortíssimo contributo para o envolvimento mais eficaz e positivo dos pais na vida escolar dos alunos.

O DT é um mediador entre os alunos e a escola, ou seja, pode e deve ser um regulador da relação dos alunos com os colegas, tentando perceber fragilidades ou dificuldades, com outros professores, detectando questões ou aspectos que careçam de alguma atenção e eventual intervenção.

O DT pode, no trabalho que realiza com os alunos, providenciar informação, orientação, apoio, etc., para as inúmeras dúvidas que nas diferentes idades se podem colocar. Informação sobre o estudo e como estudar, informação sobre trajectos escolares face à oferta educativa, promoção de competências sociais, analisando e discutindo problemas do quotidiano escolar ou pessoal potenciando a formação pessoal dos alunos, etc.

O DT tem um papel importante também na promoção da articulação e coerência das intervenções educativas que envolvem alunos com necessidades educativas especiais.

Apenas com estes exemplos, e não passam disso, sempre entendi com alguma dificuldade que a escolha para DT não fosse realizada fundamentalmente com critérios de perfil, motivação e experiência dando azo a situações conhecidas de inadequação.

Neste quadro torna-se difícil entender a carga burocrática e administrativa que foi sendo colocada nos DT inibindo a utilização do tempo, (pouco) para a função de forma mais útil e adequada. É óbvio que o excesso de carga burocrática na escola não é um exclusivo dos DT.

Também estranho a pouca atenção, relativa, à formação que em regra é disponibilizada dirigida à função DT. Julgo que aspectos como gestão de conflitos, percepção de sinais de risco nos miúdos e nos seus comportamentos, (alunos envolvidos em episódios de bullying, por exemplo) organização e gestão de reuniões de pais ou modelos e técnicas de estudo, poderiam ser ferramentas úteis para o desempenho com mais qualidade dessa função essencial.

Na verdade, quem conhece o universo das escolas, reconhece a importância da função DT e todos conhecemos professores que pelas suas qualidades pessoais e profissionais são muito bons exemplos do que é ser DT.

Melhores condições para o seu o exercício são necessárias.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

DO MAL-ESTAR NOS MAIS NOVOS

 É impossível avaliar o nível de sofrimento envolvido na situação de Archie, uma criança inglesa de 11 anos, e da sua família. Como tem vindo a ser referido na imprensa, o drama resultou da resposta de Archie a um desafio colocado na rede “TikTok” e desencadeou-se em Abril.

Lamentavelmente, é mais um episódio inquietante na linha dos que regularmente vamos tendo conhecimento associados a jogos ou a redes sociais de que o “Fortnite”, a “Baleia Azul” são exemplos ainda recentes .

Muito já se tem escrito e divulgado sobre estes processos, sobre a forma como se desenrolam, sobre os riscos das redes sociais ou jogos e cuidados a ter por pais e educadores, sobre eventual a intervenção das autoridades, etc.

Assim e neste contexto, para além do drama da situação de Archie e da família, parece-me necessário reflectir sobre o conjunto de razões pelas quais adolescentes e jovens se envolvem em situações desta natureza com riscos graves, incluindo automutilação e suicídio e que atingem dimensões verdadeiramente preocupantes.

Não conheço dados de estudos mais recentes, recordo Segundo os últimos dados do estudo “A Saúde dos adolescentes Portugueses”,relativo a 2018, que integra o estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, um em cada cinco alunos (19,6%) entre os 13 e os 15 anos já se magoou a si próprio, de propósito, nos últimos 12 meses, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Referiram que se sentiam “tristes”, “fartos”, “desiludidos” quando o fizeram.

Também um estudo da Universidade de Coimbra, creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra refere que cerca de 20% afirma já ter desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida.

Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes e graves do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.

É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.

Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.

Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.

Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.

Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos, mas perdidos.

Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.

Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.

Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.

Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.

De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.

O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.

Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.

Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem, mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.

Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.

O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens.

Desculpem a repetição, mas é preciso insistir.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O CAJÓ FOI AO FÓRUM

 Com o tempo de calor áspero que está, o meu amigo Cájó, o que é mecânico e tem um Punto todo kitado que é a menina dos seus olhos, achou por bem, para passar um bocado de tempo no Domingo à tarde, ir com a família até ao Fórum, o centro comercial da zona. Quando acabaram o franguinho que o Cajó foi buscar à churrasqueira Kátespero, mesmo ao lado de casa, disse para a mulher, “Odete, produz-te, arruma os putos que vamos dar uma volta até ao Forum, mas aviso já que não há compras p’ra ninguém”. Um bocado de gel no cabelo, os ténis brancos e a calcinha bem justa e curtinha, os óculos escuros na testa e tá pronto. Enfiaram-se no Punto e lá foram. Não começou muito bem, pois não foi fácil encontrar lugar para o Punto. O Cajó que é um rapaz sem grande paciência pôs-se logo a protestar, “ainda dizem que há crise, que a gasolina tá cara, tá cara, mas é para mim, já viste Odete a quantidade de pessoal que tá para aqui”. Lá chegaram.

A volta começa sempre pelo café. Como de costume, o Cajó acompanha-o com meio uísque Cutty Sark, a Odete toma um carioca e instala-se a primeira discussão. O Tolicas, o mais velho, meteu na cabeça que queria uma cola e a Micas um sumo. O Cajó manda-se ao ar, “vocês pensam que eu sou rico? Inda agora ao almoço viraram uma garrafa grande de cola e já querem mais outra vez, não há cola nem sumo p’ra ninguém, eu avisei”, os putos amuaram e o caldo ficou entornado porque a Odete pôs-se do lado deles a chatear o Cajó.

Andaram mais umas voltas, o Cajó foi à FNAC ver os GPS novos e diz à Odete que vai pedir à sogra para lhe oferecer um. Nova discussão, a Odete acha que faz mais falta um micro-ondas novo, que o GPS não serve para nada porque o Cajó conhece bem os caminhos por onde anda com o Punto, o Cajó, já passado, defende-se e diz que até parece mal ser o único gajo lá na oficina que não tem uma porra de um GPS. Vamos a ver como acaba.

Às tantas, entraram na loja dos perfumes e entretiveram-se a experimentar tudo o que lá havia e era muito. De repente, a Odete arranja uma bronca com uma empregada porque ela não largava o Cajó para mostrar perfumes novos. O Cajó viu-se um bocado aflito com a cena, mas a Odete lá o conseguiu arrastar para fora da loja, não sem antes ele ter conseguido dizer à empregada, boa comó milho, que passaria lá ao almoço durante a semana. Foram buscar o Tolicas e a Micas que tinham ficado na FNAC a ver jogos e foram lanchar. É a parte que o Cajó gosta mais, a seguir à empregada da loja de perfumes, afiambra-se com uma bifana e mama duas médias, a Odete orienta-se com um cachorro e os putos tomam banho num balde de pipocas acompanhado de cola. O Cajó avisa, “com o que custou este lanche, o jantar está feito”.

Deram mais umas voltas, mas a confusão era tanta que o Cajó deu ordem de retirada.

Foram à procura do Punto e ao chegar a casa, o Cajó ainda dizia para a Odete, “crise, qual crise, viste o monte de pessoal que andava ali? Há crise, mas é p´ra mim, queria meter umas jantes novas no carro e não tenho guito”.