Na imprensa dos últimos dias surgem referências a uma entrevista a Miguel Xavier, coordenador das políticas de saúde mental, à Lusa que merece leitura. Embora sem dados exactos Miguel Xavier estima que o orçamento para saúde mental no SNS rondará os 5% dando como referência os 13 ou 14% que Reino Unido e países nórdicos apresentam.
Sabemos que de há alguns anos
para cá e em particular no período pandemia e pós-pandemia diferentes estudos
têm mostrado um aumento de incidência de perturbações nesta área envolvendo
todas as idades.
Na mesma entrevista Miguel Xavier
afirma que “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem.
Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os
programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade
de políticas integradas, mas também sublinha a importância dos recursos
adequados.
Neste sentido até ao final de
2022 serão criadas dez equipas comunitárias de saúde mental que se juntam a dez
já em funcionamento sendo também instaladas três unidades de transição para
inimputáveis. Espera-se colocar em funcionamento mais cinco equipas em 2023,
dez em 2024 e cinco em 2025.
Como aqui já tenho abordado, este
movimento de desinstitucionalização ainda que de forma lenta a faz parte de há
muito das recomendações, em 2019 o Conselho para os Direitos Humanos da ONU a
necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta em
saúde mental, recorrer menos à institucionalização e à medicação e mais a uma
abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza
desigualdade e exclusão que alimentam discriminação.
No que a nós respeita, segundo o
Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and
Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no
que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a
pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso
a este tipo de cuidados.
A ausência de respostas adequadas
leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações
não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.
Também de 2015, o estudo
Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela
Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental mostrava que o encerramento,
positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação
de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou
os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de
Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam
os recursos.
Parece claramente mais ajustada a
aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para
situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto,
camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade, e como se sublinha no
Relatório, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de
vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade
e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em
estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade
e da vida quotidiana das pessoas.
Os modelos defendidos pela
comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de
vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições
psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e
privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início
da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no
mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de
retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições precisa de um
suporte adequado e suficiente de unidades locais que providenciem apoio
terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de
pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento que agora, quero
acreditar, poderão mesmo realidade.
A sua não existência, o quadro
actual, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção
comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com
doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais
são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os
custos familiares e sociais desta guetização são enormes e as consequências são
também um indicador de desenvolvimento das comunidades.
Será seta que a coisa muda de
forma significativa?
Deixem lá ver, como falamos no
Alentejo.
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