sábado, 23 de julho de 2022

PELAS RUAS DA INCLUSÃO (take 2)

 Não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira ou acreditar que a realidade é a projecção dos nossos desejos.

A imprensa divulgou dados do inquérito “EDUCAÇÃO INCLUSIVA QUATRO ANOS APÓS A IMPLEMENTAÇÃO”, promovido pela FENPROF que envolveu cerca de 80 agrupamentos e 89 649 alunos.

Regista-se a existência de 5544 alunos com medidas selectivas e/ou adicionais. Destes alunos, 81,7% estão mais de 60% do tempo lectivo na sala de aula com os seus pares. Destes, em sala de aula, 42,1% beneficiam do apoio directo de docente de Educação Especial; 28,4% beneficiam do apoio de docentes em coadjuvação com o titular de turma (apoio que, em boa parte dos casos, não é especializado) e 19,1% são apoiados por assistente operacional, por norma sem formação adequada para a actividade que desenvolvem, ainda que alguns já tenham adquirido alguma experiência. Aliás, 73,5% referem insuficiência do número destes profissionais, sendo que 65,5% referem a falta de formação específica destes profissionais.

Os directores inquiridos também referem falta de recursos como psicólogos e dos contributos da intervenção de áreas diferenciadas de terapia e saúde.

Numa área sempre sensível, a constituição das turmas face aos critérios estabelecidos, as turmas que integrem alunos com necessidades especiais devem ter um máximo de 20 alunos e não mais do que dois em cada uma, num universo de 6911 turmas, 1647 integram alunos com necessidades especiais, mas apenas 56,6% cumprem os dois critérios. Das restantes, a maioria tem mais de 20 alunos e 14,3% não cumprem os dois critérios.

Numa apreciação global ao regime legal da chamada educação inclusiva, 51.4 % consideram-no adequado e 48.6% entendem que não.

Independentemente da robustez do estudo os indicadores merecem atenção e estão em linha com, por exemplo, o relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021” divulgado em Abril e que também aqui referi.

Ambos mostram que os sucessivamente anunciados amanhãs que cantam à janela do “Rolls Royce” talvez sejam prematuros ou desfocados no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos, também conhecida por educação inclusiva, termo tão desgastado que até dá cobertura à … exclusão.

Volto ao que muitas vezes aqui escrevi, tenho afirmado e retomo.

Acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente, a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração também anunciadas em 2015. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajuda na confiança e optimismo.

Continuo a verificar que tal como aconteceu com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e agora com o 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição e operacionalização dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização, dizem, já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes cria nas escolas inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados que vão sendo conhecidos não são particularmente animadores.

Como já escrevi há algum tempo, o cansaço é muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas que felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.

Não quero fazer o papel do miúdo que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e, segundo, porque não seria de todo justo.

Também não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.

Não queria repetir, sei que existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Aliás, devo acrescentar que não acredito em escolas inclusivas. Não se insurjam, tento explicar.

Como disse Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de confiar no poder transformador da escola, a inevitável ligação entre a sociedade e a escola leva a que também nesta se reflictam estes tempos e Portugal não é excepção.

Acredito sim em escolas e professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem.

Acredito também que sem um mínimo de recursos suficientes e competentes é bastante mais difícil.

Quadros legislativos mais adequados são essenciais ..., mas não são mágicos por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal. As políticas públicas de educação exigem mais do que isto.

Daí este meu cansaço.

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