No CM lê-se que desde o início do ano já se aposentaram 1416 professores e até Dezembro serão mais de dois mil docentes, o maior número nos últimos 9 anos.
Uma história.
Colegas, desculpem, só mais um minuto antes de acabar a
reunião. Como alguns sabem, embora me falte algum tempo de carreira, decidi
pedir para aceder à situação de reforma e creio que esta será última reunião
que farei convosco.
Gostava de vos dizer que a magia que me trouxe à
profissão, contribuir para que os miúdos se façam gente e ir assistindo a essa
narrativa, se manteve desde o primeiro até ao último dia. Descobri essa magia
há muitos anos com a minha professora da primária que me fez querer ter esta
missão como forma de vida. Foi um privilégio. Agradeço aos miúdos com quem me
cruzei o caminho que fizeram comigo, Não fui bem-sucedida com todos, mas com
todos tentei ser bem-sucedida. Vou tranquila.
Devo dizer-vos também que a sombra e abrigo que encontrei
em muitos colegas ao longo destes anos foram alento e incentivo para que essa
magia e encanto se mantivessem. Por isso agradeço também às companhias, muitas,
que comigo foram fazendo esta estrada.
Finalmente, embora leve a magia do que vos falei, também
carrego o desencanto que apressou a partida.
Sei que os tempos são difíceis e são diferentes, mas o
desencanto foi-se instalando de mansinho e não derivado dos problemas novos que
os miúdos trazem, esses a gente tem que pensar que para problemas novos,
soluções novas.
Decidiram que os papéis e as plataformas são mais
importantes que os miúdos e têm vindo a encharcar a escola e os professores com
burocracia, legislação e orientações que apenas atrapalham e retiram qualidade
e disponibilidade. Depois de décadas sem uma avaliação que discriminasse o
mérito e combatesse a mediocridade, voltam-nos uns contra os outros de uma
forma inexplicável que arruinou o clima de trabalho em muitas escolas.
A escolas foram-se transformando em espaços privilegiados
para o confronto de interesses outros que não os dos miúdos. Assistimos a
discursos de gente responsável que denigre de forma leviana a imagem dos
professores. Comecei a sentir que o meu bem mais precioso, a dignidade, estava
ameaçado e nesse bem não deixo que toquem. Por isso, decidi partir.
Queria só pedir-vos que, se por acaso, alguns dos miúdos
perguntarem por mim no próximo ano, digam-lhes que hei-de aparecer. Os
professores nunca se reformam.
E eu sou uma professora. Até um dia destes.
1 comentário:
..e eu outra!!@
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