Alguma imprensa divulgou ontem o “Relatório anual 2021 sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado”, produzido anualmente pelo Instituto Nacional de Reabilitação sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado.
Verifica-se um aumento de queixas
relativo a 2020, de 1013 para 1195, uma média diária de três casos e foram
reportadas a diferentes entidades, maioritariamente à provedoria de Justiça.
Lamentavelmente nada de novo, sabendo
ainda que as queixas são sempre em número bem menor face ao volume de situações em que os
cidadãos com deficiência sentem os seus direitos desprotegidos. Algumas notas.
Em Fevereiro de 2020 foi
divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado
pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como,
apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com
mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.
Como exemplo, em 45% dos
edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas
elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com
deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista
da altura.
Em primeiro lugar deve dizer-se
que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e
promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia
e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de
pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de
fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos
edifícios. O relatório citado confirma-o.
Os problemas das minorias são,
evidentemente, problemas minoritários.
Para além dos edifícios a questão
da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência
envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e,
sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.
Boa parte dos nossos espaços
urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em
áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros
obstáculos.
Quantas passadeiras para peões
têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de
pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?
Quantas passadeiras possuem
sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?
Quantos obstáculos criados por
mobiliário urbano desadequado?
Quantas dificuldades no acesso às
estações e meios de transporte público?
Quantas caixas Multibanco são
acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?
Quantos passeios estão ocupados
pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados,
criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com
mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?
Quantos programas televisivos ou
serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os
acessíveis à população surda?
Quantos Centros de Saúde ou
outros espaços da Administração central ou local criam problemas de
acessibilidade?
Quantos espaços de lazer ou de
cultura mantêm barreiras arquitectónicas?
Quantos …?
Na verdade, apesar do muito que
já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem
como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e
espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação,
trabalho, saúde (este ano subiram significativamente as queixas nesta área) segurança
social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.
Lamentavelmente, boa parte dessas
dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou
económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem
comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.
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