Leio no Público que este ano se matricularam no ensino superior mais de 50 000 estudantes. Trata-se de uma boa notícia e como precisamos de boas notícias e importante para as nossas comunidades, a qualificação é um bem de primeira necessidade. É ainda de sublinhar que o ano passado foi o que registou o número mais alto. Espero que este número também traduza o aumento significativo de alunos com necessidades especiais a frequentar o superior.
Precisamos agora de tentar que o
trajecto agora iniciado sustente, de facto, um projecto de vida e associado à
formação que se vai iniciar.
A questão é que não será um
trajecto fácil.
Em primeiro lugar porque não é um
trajecto fácil num tempo que parece ser o do “desenrascanço”.
O conhecimento parece ser entendido
como algo que se deve mostrar para justificar uma nota ou estatuto, não para
efectivamente integrar e, ou, acrescentar uma mais-valia no conhecimento ou na
ciência, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se
finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa
acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente
competitivo, muitíssimo competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da
manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, parecem ser minudências com
as quais não podemos perder tempo.
É importante termos consciência que
esta questão não é um exclusivo nosso. São conhecidos recentes casos em
diferentes países da Europa. De qualquer forma, não deixa de ser uma
preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam
nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista
ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.
Em segundo lugar é um trajecto
caro.
Há poucos dias soubemos que no final do primeiro semestre cerca de 60 000 alunos tinham a bolsa de estudo
atribuída um universo de candidatos que ultrapassa os 100 000. Trata-se do
número mais elevado de sempre a que também não será alheio o aumento do número
global de estudantes a perda de rendimento de muitas famílias em consequência
do impacto económico e social da pandemia.
No entanto, apesar destas
dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer
uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em
Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não
minimizou esta situação.
Recordo um trabalho conhecido em
2018 realizado pelo Projecto Eurostudent, “Social and Economic Conditions of
Student Life in Europe” que mostra um extenso quadro das condições de
frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de
2016 a 2018.
Da imensidade de dados
disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem
maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda
uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de
escolarização e estatuto económico das famílias.
São conhecidas as dificuldades de
promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só,
atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000
jovens que não estudam nem trabalham.
Finalmente, importa que o
trajecto após a formação inicial tenha um seguimento compatível em termos
profissionais.
Vai ser operacionalizado o Plano
de Recuperação e Resiliência e esperamos que conjugadamente com políticas
públicas adequadas se promova o desenvolvimento económico, científico, cultural,
que absorva as gerações qualificadas que estão em formação e não as empurre
para fora ou proletarize e subaproveite as suas competências com um marcado de
trabalho desajustado.
Como tantas vezes digo, não somos
um país de “doutores”, não temos qualificação a mais, temos desenvolvimento a
menos que não nos permite aproveitar e potenciar cá o conhecimento adquirido pêlos
mais novos.
Não podemos falhar, é o futuro
que está em jogo.
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