quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

UMA BOA NOTÍCIA, MAS ...

 Leio no Público que este ano se matricularam no ensino superior mais de 50 000 estudantes. Trata-se de uma boa notícia e como precisamos de boas notícias e importante para as nossas comunidades, a qualificação é um bem de primeira necessidade. É ainda de sublinhar que o ano passado foi o que registou o  número mais alto. Espero que este número também traduza o aumento significativo de alunos com necessidades especiais a frequentar o superior. 

Precisamos agora de tentar que o trajecto agora iniciado sustente, de facto, um projecto de vida e associado à formação que se vai iniciar.

A questão é que não será um trajecto fácil.

Em primeiro lugar porque não é um trajecto fácil num tempo que parece ser o do “desenrascanço”.

O conhecimento parece ser entendido como algo que se deve mostrar para justificar uma nota ou estatuto, não para efectivamente integrar e, ou, acrescentar uma mais-valia no conhecimento ou na ciência, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo, muitíssimo competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, parecem ser minudências com as quais não podemos perder tempo.

É importante termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso. São conhecidos recentes casos em diferentes países da Europa. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.

Em segundo lugar é um trajecto caro.

Há poucos dias soubemos que no final do primeiro semestre cerca de 60 000 alunos tinham a bolsa de estudo atribuída um universo de candidatos que ultrapassa os 100 000. Trata-se do número mais elevado de sempre a que também não será alheio o aumento do número global de estudantes a perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Recordo um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” que mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.

Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.

Finalmente, importa que o trajecto após a formação inicial tenha um seguimento compatível em termos profissionais.

Vai ser operacionalizado o Plano de Recuperação e Resiliência e esperamos que conjugadamente com políticas públicas adequadas se promova o desenvolvimento económico, científico, cultural, que absorva as gerações qualificadas que estão em formação e não as empurre para fora ou proletarize e subaproveite as suas competências com um marcado de trabalho desajustado.

Como tantas vezes digo, não somos um país de “doutores”, não temos qualificação a mais, temos desenvolvimento a menos que não nos permite aproveitar e potenciar cá o conhecimento adquirido pêlos mais novos.

Não podemos falhar, é o futuro que está em jogo.

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