No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre a apetência consumista de crianças e adolescentes que, obviamente, será justificado pelo aproximar da época de Natal, o tempo de todas as compras.
No entanto, mais do que falar do consumismo dos mais novos,
importa falar do consumismo, como fenómeno comportamental e instalado em boa
parte de nós, adultos. Não será, portanto, estranho que também o comportamento
dos mais novos seja da mesma natureza.
Umas notas sobre a forma como crianças e adolescentes estão associados
às compras dos adultos incluindo as que não lhes são destinadas e a gestão do seu comportamento "consumista" logo de muito novos.
Um trabalho, “European Consumer Payment Report 2017,
realizado pela Intrum Justitia em 24 países europeus mostrou que os pais
portugueses inquiridos são altamente permeáveis à pressão exercida pelos filhos
para a realização de compras lavando a gastos superiores ao ajustado.
Os pais mais novos, até aos 34 anos são os que mais assumem, 88%, gastar
prendas que não deveriam e fazem-no por pressão, designadamente, a que associam
às redes sociais.
A questão não é nova e todos os que lidamos com os mais
novos conhecemos os seus efeitos. Recordo também que em 2015 a Direcção-Geral
do Consumidor referiu o excesso da utilização de crianças em publicidade mesmo
em produtos que lhes não são dirigidos. Está utilização não é recente embora
muitos pais não estejam suficientemente atentos. Como é evidente a estratégia é
eficiente e, portanto, tentadora para os especialistas em marketing e
publicidade.
Na verdade, alguns estudos nesta matéria, sugerem,
surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70%
das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não
lhes são directamente destinados. Esta influência mantém-se ao longo da
infância e juventude.
Este universo, a publicidade que tem por actores e suporte
os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo
aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais,
etc., pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.
Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos
miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a
tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja,
venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do
videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.
Por outro lado e apesar das dificuldades, os miúdos também
são aos sensíveis ao “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os
adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras
compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os
mais novos. É esta a questão central do texto do Expresso.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto
dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. No quadro
da formação global familiar e escolar é importante o debater com os miúdos, de
todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos
gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos.
Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos
“presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais
prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da
publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois
de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.
Muitos pais acreditam ser imunes a esta “pressão” e não
assumem essa influência que, no entanto, é comprovada. Em períodos como o que
atravessamos, submersos em espírito natalício, este efeito é potenciado no
âmbito das compras de Natal.
No já referido quadro de valores que de mansinho se instalou,
“és o que tens” os miúdos, através de eficazes estratégias de marketing, são
bombardeados com ofertas sobre o que “todos têm” pelo que todos querem ter para
poder ser, porque, como disse, “não tens não és”. Por outro lado, os pais,
muitos pais, devido aos estilos de vida sentem-se desconfortáveis na relação
com os filhos e são vulneráveis a esta “pressão” dos miúdos assumindo com
dificuldade o Não, aspecto que também aqui tenho referido.
Neste quadro, se por um lado a educação escolar, no âmbito
da formação alargada, pode incorporar reflexão sobre consumo e comportamentos,
é fundamental que os pais se sintam à vontade e com firmeza para contrariar o
que muitas vezes não passa de uma estratégia de consumo habilmente promovida
por campanhas de marketing cuja regulação ética é ligeira, para ser simpático.
Neste sentido os pais devem sentir que um NÃO que pode
desencadear uma birra poupará no futuro várias outras birras e alguns outros
dissabores. Aliás, os miúdos embora não gostem, como provavelmente qualquer de
nós, precisam do NÃO.
Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que
por muitas razões vale a pena dedicar atenção.
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