No Público encontra-se desde ontem um extenso dossier dediado aos 30 anos decorridos da ligação de Portugal à Internet.
Creio que para as gerações mais
novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes
converso com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era
estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de
calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção
científica ao contrário.
Como costumo afirmar, sou um
utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de
colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou
sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação
qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com oito anos e um nativo
digital, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima
aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me”
para corresponder a alguma necessidade profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.
E não é raro que ainda me sinta “maravilhado”
com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível
de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos
longe de esgotar.
No entanto, a net, se abriu um
mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado
desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses
alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos
pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net. Algumas
notas.
Em primeiro lugar sublinho que, como
é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um
alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais
novos.
Temos vivido tempos em que aumentou
exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos
adultos, estão em frente do ecrã, a escola chegava através da net. Naturalmente
os riscos também aumentaram como o cyberbullying, chantagem e roubo, exposição
a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.
Trata-se de mais um factor de
pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na
sua relação com a net.
É importante sublinhar que dados
do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS)
envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são
os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto,
os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.
No âmbito do Projecto Kids Online
que envolve 30 países e analisa a utilização da net e das redes sociais por
crianças e adolescentes os dados de 2018, cerca de 2000 alunos entre os 9 e os
17 anos mostraram comparativamente a 2014 se verifica uma subida da frequência
das situações de risco a que parece também estar a associada a maior
operacionalidade e o tempo de contacto permitido pela migração da utilização
dos pc para os mais “operacionais” smartphones”.
Para além dos dados do EU Kids
Online recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and
Autonomy in Portugal – na OECDreview” em que considerando dados de 2012 e 2015
(recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses
afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas
os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam
uma taxa superior.
Podemos considerar mais um sinal
dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados
que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas
múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos
associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying são inquietantes.
Nesta perspectiva e tal como
noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não
funciona.
São mais eficientes a promoção da
utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades,
benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma
matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens
embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.
Mesmo em tempos “normais”, seja
lá isso o que for, a que desejamos voltar, em casa, muitas crianças têm
um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo
inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias
lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente
"filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento,
juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em
família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho
que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as
dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de
ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre
a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e
útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e
adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem
demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros
dispositivos funcionam como “babysitters”.
Por outro lado, a experiência mostra-me
que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação
nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder
eficácia com a idade.
Creio que o caminho terá de
passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que
crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.
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