quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

CRIANÇAS, JOVENS, LIVROS E LEITURA. UMA RELAÇÃO DISTANTE

 Foi divulgado um conjunto de dados no âmbito do estudo “Práticas de Leituras dos estudantes do ensino básico e secundário”, realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE em parceria com o Plano Nacional de Leitura 2017-2027.

Os indicadores são relativos a alunos do 1º ciclo (3º e 4º ano) e do 2º ciclo e devem ser lidos tendo em conta o que foi encontrado numa fase anterior em alunos do 3º ciclo e secundário.

Aos 10 anos verifica-se uma percentagem de 11% de alunos que afirmam só ler quando só obrigados, a partir dos 11 anos a percentagem sobre significativamente até aos 25% sendo que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas com estas a evidenciarem hábitos de leitura mais robustos.

Na fase anterior do estudo envolvendo o 3º ciclo e o secundário a percentagem de alunos que só lêem quando obrigados foi de 32% e de 25%.

A estes dados que merecem profunda reflexão acresce o tempo passado com os ecrãs, a utilização progressiva da escrita digital e a associação dos hábitos de leitura ao contexto familiar também com comportamentos de leitura de baixa frequência.

Em primeiro lugar importa considerar que se vai vivendo um processo de transição na utilização dos dispositivos digitais o que, não explicando tudo, não pode deixar de ser levado em conta.

De qualquer forma, importa que tentemos reverter, recuperar ou instalar hábitos de leitura, independentemente do suporte.

Muitas vezes aqui tenho escrito sobre algo de indiscutível, a importância dos livros e dos Recordo Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos que sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também são muitos trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral como, aliás, este estudo evidencia.

Os livros têm, de facto, uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais ou actividades, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.

Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, ainda antes do começo da escolaridade. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, e frequentemente são, estimuladas e para as quais seria de disponibilizar aos pais alguma orientação.

Apesar dos esforços de muitos docentes e de múltiplas iniciativas e projectos, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos de leituras necessárias.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível. No entanto, felizmente, realizam-se com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, em iniciativas autárquicas ou conjuntas.

Temos de criar leitores, eles irão à procura dos livros.

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