A partir de amanhã e até sexta-feira iniciam-se as aulas. No entanto, em tempos tão estranhos e exigentes para todos e esperando que seja a última vez que tal acontece, os discursos são menos sobre as aulas e mais sobre a escola e os riscos que nela poderão correr, alunos, professores, funcionários e técnico e, numa perspectiva mais alargada, as comunidades.
Há pouco comentava em família que não imaginava viver tempos
em que que nesta altura, início do ano lectivo, a questão dominante, a grande
preocupação e receio fosse … o regresso à escola. É verdade que, sobretudo
devido aos resultados muito positivos da vacinação, os receios expressos são
mais atenuados.
Tanto foi e está a ser dito sobre esta questão, já por aqui
falei dela várias vezes e de vários ângulos, que não sou capaz de acrescentar
algo a não ser reforçar um apelo à serenidade nos discursos sobretudo dirigidos
aos mais novos ou mais vulneráveis.
Assim e pensando sobretudo nos que vão começar a sua estrada
na escolaridade obrigatória, deixem que fale um pouco do que se espera e deseja
que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de
aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.
Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na
educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de
início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental
para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma
coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais
bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.
Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na
verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal
já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá
correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo.
Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a
adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao
desenvolvimento bem-sucedidos.
Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim
seja, mas esse é o nosso grande desafio.
É fundamental não esquecer que. Por variadas razões, os
miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, ambiente,
experiências e recursos familiares, percurso anterior, características
individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que
combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira,
normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende.
Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos
alunos, a escola ainda não é para todos com a mesma qualidade.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos
miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo,
oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de
aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da
escola.
Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas
crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não
é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas
competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é
preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o
presente.
E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça
dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com
dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.
Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de
brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.
Vão ouvir cada vez mais frequentemente qualquer coisa como
"não podes fazer isso, já és uma mulherzinha, ou um homenzinho", como
se as mulherzinhas e os homenzinhos já crescidos não fizessem asneiras.
Vão conhecer tempos em que se sentem sós e perdidos com um
mundo demasiado grande pela frente.
Mais cedo ou mais tarde, alguns deles, vão sentir uma dor
branda que faz parte do crescer, mas que, às vezes, não passa com o crescer.
Também sei, felizmente que a grande maioria vai continuar a
sentir-se bem, por dentro e para fora.
Pode parecer-vos um pouco estranho, mas gostava que a estes
miúdos que agora vão começar "a escola", tal como aos outros que já a
cumprem, lhes apetecesse "fugir para a escola" e que nós possamos ser
capazes de lhes dizer "Cresçam devagarinho, não tenham pressa".
É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.
Boa sorte e bom trabalho para alunos, professores, técnicos,
funcionários e pais.
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