No Expresso encontra-se um trabalho sobre o bullying, em particular o cyberbullying, que merece séria reflexão e, sobretudo, acção.
Face a resultados obtidos centrados
no primeiro confinamento em que 61,4% dos jovens inquiridos se afirmaram vítimas
de cyberbullying, o trabalho realizado por investigadores do ISPA – Instituto Universitário
e do ISCTE durante o segundo período de confinamento mostra que são agora 71%
os adolescentes e jovens que admitiram ter passado por algum tipo de assédio,
humilhação ou ameaça online pelos pares através de mensagens ou partilha de
imagens íntimas não consentidas. Participaram 952 alunos com mais de
13 anos do ensino básico, secundário e superior.
Dos dados releva que 8 em cada 10
alunos assistiram a episódios sendo que 60% tentaram intervir e 40% não o
fizeram.
Quanto aos agressores, 39% dos
inquiridos 52% afirma agir por brincadeira, sem, aparentemente considerar a
gravidade ou as consequências do comportamento. A vingança foi a justificação
referida por 31%, a “necessidade de afirmação” por 10,2% e 7,8% refere que a
vítima é o tipo de pessoa com é habitual “gozar”.
Tal como referi a propósito do
estudo anterior, os dados são de facto preocupantes e ainda é de considerar que
pela idade dos inquiridos, muitos serão adultos teremos certamente alunos do
ensino superior.
Algumas notas direccionadas
sobretudo para os alunos que ainda frequentam a escolaridade obrigatória e que
aqui frequentemente refiro.
Desde logo parece-me de chamar a
atenção que também por questões desta natureza se percebe a necessidade de uma
área disciplinar trabalhada na escola, que chegue a todos os alunos e que
promova a qualidade das relações interpessoais, cidadania, etc. emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante, não só num tempo de
confinamento, por razões óbvias, mas mesmo em situação de ensino presencial.
Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que transparece no estudo agora
divulgado.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também
que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que
são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas,
incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a
vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores,
técnicos ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala
significativa divulgado na Lancet Psychiatry há já algum tempo que sugeria que
o bullying pode assumir impactos negativos mais significativos no bem-estar
psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus-tratos de adultos sofridos na
infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas
potenciais de bullying em adolescentes.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que
promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar
riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto
estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura
de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente,
alunos.
Lamentavelmente, parte importante
das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra
a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre
esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e
adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes,
não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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