terça-feira, 21 de setembro de 2021

EXPLICAÇÕES, UM NICHO DE MERCADO

 No DN encontra-se um trabalho extenso e muito interessante sobre o universo das chamadas “explicações”, ajudas particulares ao estudo que também aqui abordo com regularidade. Trata-se de um nicho de mercado que apesar da pandemia, ou por causa da pandemia, parece em franco florescimento.

A peça recorre a indicadores de um estudo realizado 2019 pelo grupo “Ginásios da Educação Da Vinci”, um franchising que gere em Portugal 42 centros respondendo a 5400 alunos num universo estimado em 244 mil que recorrem a estes “serviços”. Destes, cerca de 70% têm “explicadores” particulares, maioritariamente professores que dão explicação num “cantinho” da sua casa num volume de facturação estimado em 200 milhões de euros e que passa, por assim dizer ao lado, das obrigações fiscais. Ainda segundo os mesmos dados, existirão à volta de doze mil explicadores e de mil centros de estudo e apoio escolar.

Trata-se de facto de um mercado em expansão e fomentador do empreendedorismo individual e que também contribui para acentuar as desigualdades sociais pré-existentes sem qualquer sobressalto por parte de quem é responsável por políticas públicas.

É um mercado que envolve alunos de todos os anos de escolaridade, mas tem maior procura em anos de exame e no ensino secundário quando está em jogo o acesso ao ensino superior.

Na verdade, é um mercado generalizado como se pode verificar com um passeio pelas proximidades das escolas abundando a oferta de ajudas fora da escola, antes conhecidas por “explicações”, mas agora com designações mais sofisticadas como “Centro de Estudos”, “Ginásios”, etc., que, provavelmente, terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”. Ainda temos a oferta mais personalizada, as “explicações” no aconchego caseiro dos explicadores, numa espécie de atendimento personalizado. O mercado está sempre atento e como se refere na peça do DN o marketing desempenha um papel importante.

Apesar de nada ter contra a iniciativa privada desde que com enquadramento legal e regulação, o que está longe de existir, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.

Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade como tem sido regularmente sublinhado em múltiplos estudos.

Neste contexto, recordo que no Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", constava um dado interessante relativo a Portugal que na altura comentei e extraído do TIMSS de 2015. Referindo apenas o secundário, 61% dos estudantes do secundário afirmam ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.

Também trabalhos realizados pelo CNE e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que evidenciam algo de muito significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.

A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.

As necessidades dos alunos poderiam ser atenuadas com o recurso a professores que já estão no quadro, em situação precária por demasiado tempo ou mesmos dispensados quando seriam necessários. Também por estas razões a narrativa dos professores a mais é ... isso mesmo, uma narrativa que, aliás, começa a ficar evidente com a dificuldade contratação de docentes em diferentes escolas durante os primeiros meses do ano lectivo.

De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

Uma nota final.

Com alguma regularidade desloco-me a um local perto de uma escola de 2º 2 3º ciclo integrada de dimensão significativa. Como não podia deixar de ser, nas proximidades existe uma oferta razoável de espaços para “explicações”.

Um deles divulga numa enorme montra um impressionante conjunto de serviços. Começa por afirmar que recorre a metodologias divertidas para aprender melhor o que evidentemente é um bom começo, estamos todos cansados do trabalho sério que se realiza nas salas de aula.

Depois temos o elenco de respostas:

Explicações de todos os níveis

Centro de alto rendimento escolar

Preparação para exames

Estratégias educativas

Motivação e auto-estima

Gestão de ansiedade

Stresse nos exames

Mindfulness terapia

Actividades de férias

Confesso que fiquei esmagado. Escola e professores para quê?

1 comentário:

jose luis covita disse...

Excelente, esclarecedor, bem escrito. Não fazia a mínima ideia de como as coisas estavam a "evoluir" a esse nível.