No JN tropecei com um curto texto sobre a “palmatória”, um instrumento que felizmente parece ter deixado de fazer parte do equipamento escolar. A peça fez-me recordar uma história passada lá muito para trás no tempo.
Da nossa vida fazem parte alguns
heróis, uns de ficção que aparecem junto de nós transportados nos livros ou nos
filmes, que passam a ser companhias próximas e parceiros de aventuras, outros
inventados pela fantasia que se vai modificando à medida que se cresce e
outros, reais, porque em algum momento realizaram acções ou comportamentos que
os tornaram heróis aos nossos olhos, às vezes, durante pouco tempo, outras
vezes permanecendo com essa aura sempre que nos lembramos deles.
Um dos meus heróis reais de miúdo
foi o meu amigo Fernando, colega de primária. Já vos falei dele, tinha os
melhores pés para o futebol que alguma vez vi naquelas idades, ajudava-nos a
ganhar quase sempre os jogos com o pessoal de fora. Mas o que o tornou mesmo um
herói foi a sua atitude revolucionária, a primeira a que assisti, para com o
terror da nossa escola, a Régua, é verdade, a Régua.
O que nós sofremos com aquela
Régua, apanhávamos pelos erros, pelas contas mal feitas, por atraso ou
distracção, por comportamento. Podia dizer-se que levávamos reguadas por dois
motivos fundamentais, por tudo e por nada. Às vezes, num requinte de fino
recorte, o professor dizia a um de nós para bater no colega e se achasse que
nós batíamos devagar, dava ele nos dois. Tínhamos um indescritível amor à
Régua.
Um dia, o Fernando, um dos mais
frequentes e bons utilizadores dos serviços da Régua trouxe uma ideia, roubar a
Régua. Todos nos entusiasmámos com a lembrança e com a adrenalina da acção e a
coisa foi combinada, muito bem combinada, profissional mesmo. Um grupo pequeno,
à saída, pediu ao professor para ir ver algo nas traseiras da escola enquanto o
Fernando, o herói, ficou na sala e roubou a malvada Régua. Nesse dia à tarde,
depois da escola, ainda não tinham inventado o dia inteiro de intoxicação
escolar e ainda se brincava na rua, juntámo-nos num espaço discreto e imaginem,
queimámos a Régua. O Fernando ficou um herói, foi ele que acendeu o fósforo da
fogueirinha em que a Régua se transformou, merecia.
No outro dia, para não variar, o
professor procurou a Régua na gaveta da secretária e, claro, não a encontrou.
Vociferou, perguntou se sabíamos quem a tinha tirado, o grupo calou-se, todo,
ficámos sem intervalo, mas ganhámos um herói, o Fernando.
Dias depois, apareceu uma Régua nova
na sala e …
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