sábado, 18 de junho de 2016

PAIS QUE DISPUTAM OS FILHOS

No Público de ontem surgiu um trabalho interessante sobre a intervenção dos psicólogos em processos de separação conjugal que envolvam filhos e nos riscos da sua intervenção ser mal gerida e instrumentalizada por algum dos progenitores. Estes riscos são tanto maiores quanto maior o nível de conflitualidade da separação, caso de situações que podem considerar-se ao abrigo de uma designação não consensual "síndrome de alienação parental". A utilização desta designação é ainda objecto de alguma controvérsia, mas o sofrimento de adultos e crianças envolvidas é evidente.
Sobre este universo algumas notas, sublinhando desde que se trata de facto de uma matéria sensível e requer uma solidez ética e deontológica sob pena de se comprometer a qualidade imprescindível da intervenção.
Dados do Relatório Estatísticas da Justiça de Família e Menores referidos pela Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos, referem que em 2012 se registaram mais de 17 mil novos processos de regulação parental e 22 mil por incumprimento, um aumento substancial face a anos anteriores. Estas situações que podem implicar várias presenças em Tribunal demoram em média cerca de 30 meses a decidir. Em situações mais difíceis, casos no âmbito da designada "alienação parental" por exemplo, as crianças podem estar todo este tempo sem contacto com pai ou mãe. No entanto, existem ainda situações extremas em que um processo pode durar oito anos.
Importa referir que está estabelecido que a decisão de regulação não deve ultrapassar um mês pelo que o cenário é deveras preocupante. Veja-se por este quadro a complexidade dos problemas colocados na intervenção.
A Associação refere que existem falhas significativas quer por parte do sistema de justiça, quer por parte do Instituto de Segurança Social legalmente envolvido nos casos de regulação parental.
Em Janeiro de 2013 noticiava-se que o Instituto tinha 154 técnicos para este volume de cerca de 39 000 casos sendo que esses técnicos acumulam ainda outras funções, por exemplo, nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Temos assim definida uma situação absolutamente deplorável com previsíveis consequências negativas sérias para as crianças, mas também, naturalmente para os adultos que, apesar da separação, não perdem a condição de pais e desejam vê-la regulada. Este facto assume especial relevância em casos de maior litígio ou até na já referida e controversa situação de "alienação parental".
O princípio fundador do nosso quadro normativo, o Superior Interesse da Criança, tantas vezes lembrado e tantas vezes esquecido, exigiria, obviamente, que esta situação fosse minimizada com urgência. É também neste princípio que, do meu ponto de vista deve ser sediada a intervenção dos profissionais de psicologia. Dito de outra maneira e de forma simplista, o cliente não será quem paga mas a ou as crianças envolvidas e o seu bem-estar.
É ainda de considerar que em muitos casos de separação podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como o “tudo o que ficou” ou o que “não posso, não quero e tenho medo de também perder”.
Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro o que torna necessária a intervenção reguladora de estruturas ou serviços que se deseja oportuna no tempo e eficaz na ajuda. É neste quadro e as frequentes tentativas de instrumentalização pelos elementos desavindos que se colocam os desafios à intervenção dos profissionais de psicologia com riscos de tentativas de instrumentalização, não só às suas competências mas aos limites da deontologia e da ética.
Este tipo de situações quando mal acompanhadas ou resolvidas podem em alguns casos atingir limites sem retorno como temos vindo a assistir com alguma regularidade. 
É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados. Protegendo os miúdos os adultos também serão ajudados.
Quero ainda sublinhar que, por princípio, prefiro uma boa separação a uma má família.

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