segunda-feira, 6 de junho de 2016

UM DIA PERFEITO

Estranhamente, porque não era hábito, levantou-se com a melhor das disposições para enfrentar mais um dia.
A mulher, já a pé a despachar os filhos para a escola, sorriu para ele. Estranhou, não era hábito.
A torrada não ficou queimada como de costume e saiu de casa estranhamente bem-disposto, mas com a vaga sensação de que se tinha esquecido de algo.
O Luís, o do café, para sua surpresa não gozou com o seu Sporting enquanto tomava a bica. Mantinha a sensação de que se tinha esquecido de alguma coisa.
A manhã de trabalho no banco foi perfeita, só clientes simpáticos e com problemas simples. Estranhou, a si sempre lhe tocavam os chatos que só percebem o que se lhes explica à décima vez. Continuou com a sensação de que se tinha esquecido de algo.
O almoço foi excelente no sítio do costume. Até, contra o que era hábito, o seu prato preferido ainda não tinha esgotado. Ainda deu para dar uma volta no centro comercial e cruzar-se com duas mulheres, lindíssimas, que lhe retribuíram o sorriso. Mas a sensação de que se tinha esquecido de algo continuava.
O resto do dia de trabalho correu lindamente. O Chefe, o Dr. Lopes, em vez de o chatear ao fim do dia com algum processo para despachar com urgência, teve quase uma hora de conversa sobre banalidades e namoradas. Quando voltou para casa, sempre com a sensação de que se tinha esquecido de alguma coisa, os miúdos estavam entretidos a brincar, quietinhos, sem a algazarra do costume e sem o obrigarem a deitar-se no chão para os levar às cavalitas. A mulher, que o recebeu com um beijo daqueles de que já não se lembrava, tinha preparado um petisco de se lhe tirar o chapéu. A sensação de que se tinha esquecido de algo continuava. Já tarde, contra o que era hábito, recordou com a mulher as primeiras noites de paixão. Quando, depois do dia perfeito, se preparava para dormir, lembrou-se, finalmente, do que se tinha esquecido logo de manhã.
Tinha-se esquecido de acordar.

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