sexta-feira, 10 de junho de 2016

DA CONDIÇÃO DOCENTE

A Recomendação do Conselho Nacional de Educação, “A condição docente e as políticas educativas” ontem conhecida levanta um conjunto de questões muito importantes mas que não cabem numa análise genérica num espaço desta natureza. A esta Recomendação iremos voltando em termos mais específicos.
No entanto, o seu conteúdo recordou-me um texto que já aqui deixei justamente sobre o ser professor actualmente em Portugal. Aqui fica.
Sem novidade, tenho para mim que miúdos e professores são os dois grupos em que assenta qualquer comunidade nas sociedades contemporâneas. Os miúdos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo passa pela escola e pela educação.
Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública sob ameaça significativa. Desencadearam-se múltiplas acções políticas que contribuíram para degradar a sua função, a sua imagem social e o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas.
Opções políticas assumidas e em curso têm contribuído para uma atenção continuadamente dirigida para a educação e para os professores. Essa atenção advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço alargado o, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão. No entanto, gostava de deixar algumas notas.
Em primeiro lugar importa desde logo sublinhar que ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica o maior reconhecimento. Pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Nos últimos anos milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade. Veja-se os sucessivos processos de colocação de professores e as situações dramáticas que a incompetência e a arrogância de diferentes equipas na 5 de Outubro produziram.
Pensemos em como os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma ignorante barbaridade qualquer, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.
Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Pensemos em como a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
A valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. Aliás, uma das características dos sistemas educativos melhor considerados é, justamente, a valorização dos professores.
Gostava ainda de deixar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é.
A prova é que de todos os professores que connosco se cruzaram os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram.

3 comentários:

José Couto disse...

Boa noite

Excelente texto, parabéns!
Obrigado, também, por não escrever segundo o novo aborto ortográfico. É o que eu faço, excepto na escola onde, infelizmente, sou obrigado a segui-lo. Em tudo o mais, escrevo de acordo com a ortografia pré-acordo, para além de não comprar livros e periódicos que a tenham adoptado. Se todos os adversários do novo AO fizessem o mesmo, talvez as editoras pensassem melhor e, como algumas felizmente o fazem, não respeitassem o novo AO na edição de livros.

Os melhores cumprimentos,
José Couto

Zé Morgado disse...

Olá José Couto. Obrigado. Também na minha escola a regra é escrever em acordês. No entanto, uma das vantagens de ser velho é a inimputabilidade (é velho não sabe o que faz, temos que ter paciência). Tudo quanto escrevo mesmo em termos institucionais ou em material para os alunos, (é certo que são gente adulta. é ensino superior) escrevo desacordadamente. Os meus textos na imprensa, Visão e Público, são também escritos com a ortografia certa, não gosto de lhe chamar antiga. E assim continuarei. Abraço

José Couto disse...

Olá, boa tarde

Agradeço a resposta.
Pois, de facto, a antiguidade é um posto... pensando bem, talvez já possa alegar uma provecta idade para me expressar em desacordo...

Abraço