sexta-feira, 10 de junho de 2016

MEU CARO PORTUGAL

Neste 10 de Junho, dia em que te comemoras, aqui estou a escrever-te, de novo. Ainda sou do tempo em que se escreviam cartas aos amigos.
Se bem te recordas, a carta que te enviei o ano passado não era particularmente optimista. Tinha razão, lamentavelmente. O ano, tal como os últimos, foi complicado para muita gente, para demasiada gente.
Como sabes, conhecemo-nos há umas décadas. Quando te conheci eras um tipo tristonho, cinzento, com a gente calada e com medo de quem em ti mandava. A partir de certa altura, entraste em guerra e a nossa relação complicou-se, assim como a situação de toda a gente. Nesses tempos, o resto do mundo vivia longe e todos nós, que te habitávamos, nos sentíamos distantes de tudo e tudo era difícil de conseguir.
Um dia, tu mudaste. De repente, ficaste a cores, o longe ficou perto, a tristeza ficou alegre, o impossível parecia possível. Foram os tempos da brasa, dizíamos. Tudo era depressa, tudo era ontem, até a guerra. Foi um tempo para descobrir, transgredir, aprender e progredir. Para a democracia, finalmente. Lembras-te? Fizemos as pazes.
Meu caro Portugal, a poeira entretanto começou a assentar e entrámos na chamada normalidade democrática, campanhas, eleições, mudanças de governo, desenvolvimento, etc. Apesar de alguns solavancos fomos mantendo uma relação tranquila. Então, juntaste-te a outros mais desenvolvidos, a União Europeia, e perdeste um bocado a voz que gostávamos de ouvir, por nós. Para um tipo pequeno como tu, pode ter sido boa ideia, embora, é preciso dizê-lo, a entrada na "CEE" também tenha estado associada a uma devastadora e irresponsável destruição nas áreas das pescas, agricultura e indústria de que ninguém assume a responsabilidade.
E aqui estamos meu caro, mais velhos, sabes que entretanto passei à condição mágica de avô, e vamos mantendo uma relação como a que os velhos amigos têm. Zangamo-nos, fazemos as pazes, zangamo-nos de novo e, de novo nos entendemos. Quando me afasto de ti sinto saudades, quando estou contigo aborreces-me e vamos andando nisto.
Ultimamente, tenho-te sentido diferente. Pareces-me mais desalentado, triste e com muita desesperança nos rostos. É certo que a situação à tua volta também não ajuda e contigo as coisas não vão bem, mas é importante que te sintas com futuro. Isso para nós é fundamental, para nos sentirmos bem contigo. Embora nos tenham dito para partir, é contigo que gostamos de estar. Por ti, pelos nossos filhos e pelos filhos dos nossos filhos.
Se bem te lembras na carta que te enviei o ano passado já te dizia que não te sentia bem, achava-te em baixo, como diz o teu povo.
Nestes últimos anos continuou instalada por todo o mundo uma complicada situação a que tu também não tens conseguido fugir e que piorou. Muita gente sem trabalho, vamos envelhecendo sem esperança em dias melhores. Os tempos vão crispados, feios, marcados pela indignidade da pobreza. Dizem que existem uns sinais positivos mas as pessoas ainda não sentem.
Entretanto verificaram-se eleições e temos um cenário político diferente, para uns, é o meu caso, que traz alguma esperança em mudanças que em alguns aspectos já se verificam e noutros tardam. Para outra gente este novo cenário político não agrada e antecipam a desgraça. Oxalá se enganem.
O problema, meu caro Portugal, é que boa parte das lideranças que acolhes, em diferentes áreas também não têm sido capazes de promover a esperança, parecem mais parte do problema que parte da solução. Aliás, poder-se-á dizer que muita desta gente que nos tem governado não tem currículo, tem cadastro.
Entretêm-se nos jogos da política pequenina, provavelmente por falta de competência para a política grande.
Como se não bastasse a crise instalada ainda foi aparecendo uma rapaziada, todos bons amigos, a gerir estruturas e empresas públicas que acumulam tantos prejuízos como essa rapaziada acumula prémios que, em decisões difíceis de entender, terão de ser pagos com o dinheiro e sacrifícios do cidadão, prejuízos e prémios. Na banca, como sabes, continuaram a acumular-se situações de delinquência e incompetência dos que a administram com as consequências habituais, pagamos nós.
Os casos de corrupção e manhosices dos pequenos e grandes poderes não têm fim e ninguém parece substantivamente empenhado em contribuir para que terminem.
Ao que nos foram vendendo, para colocarem as tuas contas em ordem, colocaram a nossa vida em desordem, chamaram-lhe austeridade e tinha que ser assim, custe o que custar, dizem. Disseram e insistiram que vivíamos acima das nossas possibilidades mas de há algum tempo para cá muitos portugueses vivem abaixo das suas necessidades.
A gente que agora chegou ao poder está a tentar fazer diferente, esperemos que consigam, por nós e por ti.
Como sabes também temos um Presidente da República novo, o conhecido Professor Marcelo. O homem não pára e não se cala. Vamos ver o que vai dar mas Cavaco não me deixou saudades.
Pois é meu caro e velho Portugal, estás a atravessar um período nada fácil. Alguns com responsabilidade mas sem visão foram sugerindo que talvez fosse melhor ir embora de ti. Na verdade, é o que tem estado a acontecer a muita gente nova, procurar a sorte noutras paragens, noutras aragens, como cantava o Manuel Freire. O futuro aqui parece inacessível mas, como já te disse, é aqui que gostamos de ser gente.
Que está a acontecer meu velho? Podemos ter esperança?
Não pode ser, temos que dar a volta a isto. Apesar de pequeno tens que protestar, não podemos ser apenas uma feitoria de quem não considera as pessoas mas os mercados. Não podemos aceitar não ter futuro meu caro, temos que nos organizar para um projecto de futuro. Para que te cumpras meu caro Portugal.
Espero que para o próximo ano te possa encontrar em melhor estado. Até lá recebe um abraço de confiança.

10 de Junho de 2016

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