quarta-feira, 2 de agosto de 2023

DAÍ ESTE MEU CANSAÇO

 E prossegue a onda de projectos e inovação que libertarão a educação, em particular a educação escolar, da tirania dos modelos, métodos, didácticas, recursos, etc. obsoletos, ineficazes, e, o pior de tudo, com designações que se esgotaram, quase sempre em português, algo que já não se usa, “não “vende” e não prometem o sucesso. Também sabemos que qualquer "modelo" ou iniactiva será sempre uma ferramenta e o sucesso depende de conjunto alargado de variáveis, incluindo as variáveis pessoais e contextuais. Desta vez, trata-se do projecto, iniciativa, não sei bem o que usar, TUMO. No Público encontra-se uma peça de divulgação que “vende” muito bem o “projecto”. Na verdade e como sempre, tudo começa aqui, no “marketing”, sinais dos tempos.

Realizei uma rápida pesquisa em sites de natureza científica e, talvez por pressa, não encontrei nada de particularmente relevante sobre a natureza, impacto e validação, mas voltarei à tarefa com mais persistência e profundidade.

Do que li percebi que envolve estudantes em actividades no exterior da escola mais “fora da caixa” que o habitual, mas, claro, tem como objecto entrar nas escolas e desenvolver essas actividades. Dos custos desta iniciativa para as famílias ou, quando assim for, para as escolas, não me pronuncio, mas existe, e, como sempre, pagará quem pode, ou que quem gere, contando eventualmente com alguns apoios do mundo empresarial. Por aqui também nada de novo

Num exercício de crença e boa vontade afirmo, como o José Afonso, “seja bem-vindo quem vier por bem” e registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do procedimento habitual, para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas escolas, pelas escolas ou de fora das escolas, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a minimizar  eliminar as dificuldades identificadas. Surge agora mais uma iniciativa.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, ou, como agora no TUMO promover de forma inovadora, cá está, as competências STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática). Naturalmente existem ainda iniciativas de natureza mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Com demasiada frequência muitos destes projectos ou iniciativas vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais e melhor se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vêm bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas e geridos pelas escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam certamente fazera mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

Professores valorizados e qualificados social e profissionalmente o adequar de dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos.

Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos. Por outro lado, também acontece que todo este movimento acaba por mascarar a inadequação ou ausência em matéria de políticas públicas.

Daí este meu cansaço.

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