Em 23/24 inicia-se a 4ª fase do Projecto-Piloto Manuais Digitais envolvendo 160 escolas, 1.153 turmas e cerca de 21.260 alunos (número ainda em aberto). Integram o Projecto turmas do 3º ao 12º ano num processo gerido por cada escola.
Mais um passo na longa marcha
para a desmaterialização ou transição digital. É verdade que temos andado
enredados numa trapalhada sobre a devolução ou não devolução dos manuais do 3º
e 4º ano, na aceitação ou na aceitação dos manuais usados e escritos pelos miúdos,
mas isto são minudências no que não atrapalham o deslumbrado chamamento sentido
pelo ME face à realidade virtual.
Continuo cada vez mais convencido
da necessidade de reflexão sobre esta questão. Será certamente interessante o
acesso a um Relatório já de 2023 da Unesco, “Technology in education: A tool
on whose terms?”. Também se registam iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais. Mais perto, volto a sugerir estimulante texto de Francisco Laranjo, “Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros” divulgado no Público há umas
semanas e que aqui reflecti retomando as notas da altura.
Apesar do seu enorme potencial as
ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os
computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso
só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é
que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode
dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de
aprendizagem.
É certo que múltiplos estudos e
experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem
pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não
podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.
Neste contexto e como já tenho
afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças
e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia
de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando
aparentemente contraditórios:
1 – O contacto precoce com as
tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos,
para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se
estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado
pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia
informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.
2 – O computador/tablet, kits robóticos,
smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A
ferramenta, não substituem a escrita manual, não substituem a aprendizagem do
cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente
sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e
agilizar o acesso a informação e conhecimento.
3 - O que dá qualidade e eficácia
aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a
sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o
trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador
para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema,
etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada
que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com
necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente
ferramenta e apoio para acesso ao currículo.
5 – Para além de garantir o acesso
dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a
formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a
qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as
condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais
conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.
6 – Finalmente, como em todo o
trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do
trabalho de alunos e professores.
Como referi acima, não existem
poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua
existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que julgam ser as
"salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas do presente.
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