Para fugir a uma agenda marcada pela acção de alguns homens que pouco se interessam pelo Homem uma história com um cão dentro. Ao passar os olhos pela imprensa reparei que no sábado se assinalou o Dia Mundial do Cão.
Foi impossível não recordar o meu
grande Amigo e Companheiro de muitos anos, o Faísca, um RP, rafeiro puro,
pequeno e rijo que nos fez companhia durante muito tempo. Há quase treze anos,
no dia em que tive de o acompanhar numa última viagem cuja lembrança ainda hoje
me emociona e dificilmente esquecerei, escrevi este texto a pensar que um cão
também pode ser gente.
O meu Faísca foi dar um passeio
muito grande, aquele passeio de onde não se volta. Alguns de vós, os que por
aqui passam há mais tempo, conhecerão algumas das histórias com o Faísca. A
estrada dele teve que ser abreviada para evitar mais males de sofrimento, não lhe
perguntámos, não soubemos como, mas acho que a dignidade dele diria que sim.
O Faísca fazia parte da família,
vivia aqui em casa há dezassete anos. Dizem que um ano na vida dos cães
equivale a vários anos na vida das pessoas. Os dezassete anos do Faísca para nós
parecem que foram o sempre, sempre aqui esteve. Também acho que os dezassete
anos do Faísca serão o sempre, irá certamente aparecer nas conversas cá de
dentro.
Era um companheiro dos bons,
sempre atento nas conversas longas ou curtas que mantínhamos com ele. Mesmo
quando nos últimos anos ficou completamente surdo, sentava-se olhava e compunha
aquele ar que nos fazia sentir escutados. Quando algum de nós entrava em casa o
seu ar de satisfação, aos pulos e de rabo a bater eram genuínos, nunca chegou a
aprender com os humanos os fingimentos dos afectos. Quando fazia uns disparates
sentava-se de lado a observar, sereno, sem grandes agitações, com ar de
"foi sem querer" e de olhos a pedir desculpa.
Foi uma companhia sempre presente
nos últimos anos do Avô Gila, com uma cumplicidade entre eles que só
encontramos nos miúdos saudáveis e que às vezes nos fazia arreliar para rirmos
logo a seguir, é natural, miúdos juntos, às vezes dá asneira.
É verdade, tenho de o reafirmar
para me convencer, o Faísca partiu, provavelmente vai encontrar a Tita. A Tita
era uma gata do campo que também já foi e com quem, desmentindo a tradição, o
Faísca se enroscava na soleira da porta a apanhar o sol das tardes de Inverno
lá no Alentejo, cena bonita de se ver.
Pois é companheiro, havemos ainda
de nos encontrar, muitas vezes. Nas teias que a memória tece.
Como hoje, por exemplo.
Sem comentários:
Enviar um comentário