A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou um balanço relativo às Actividades de Enriquecimento Curricular no presente ano lectivo. Abrangem 83.9% dos alunos a frequentar o 2º ciclo.
Para este ano lectivo a promoção
das AEC é da responsabilidade das autarquias que têm maioritariamente como entidades
parceiras associações de pais e IPSS. Cerca de 91% das actividades
desenvolvem-se depois das aulas e terminam às 17:30h, predominando as
actividades de natureza desportiva, 70%, seguindo-se a áreas das artes, 65%.
Muitas vezes aqui tenho abordado
a questão das AEC enquadrando-a no tempo que as crianças, designadamente no 1º
ciclo, passam na escola.
Portugal, é dos países em que
mais tempo as crianças estão na escola e desde o início que considero a iniciativa
Escola a Tempo Inteiro um enorme equívoco, as crianças precisam de educação a
tempo inteiro e não de escola a tempo inteiro.
Sabemos como os estilos de vida
actuais colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das
crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos
miúdos nas instituições escolares. O modelo é bem recebido por muitos pais e
tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o
faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.
Para além da reflexão sobre o que
acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros
países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do
trabalho que minimizassem as reais dificuldades
das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à
diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é
possível.
Creio que nem toda a gente tem
consciência de que, de acordo com a lei e considerando as necessidades das
famílias, uma criança, por exemplo do 1º ciclo, pode chegar a 50 horas por
semana na escola, considerando horário curricular, AEC, ATL e Componente de
Apoio à Família. Aliás, no que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como
referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade,
têm umas das mais elevadas cargas horárias conforme relatórios da Rede Eurydice
ou da OCDE.
Esta overdose de estadia
institucional na escola, com o tempo muitas vezes preenchido com actividades de
duvidosa qualidade apesar de também existirem muito boas práticas, não pode
deixar de ter algum impacto na relação que os miúdos estabelecem com a escola e
com as actividades da escola.
Deixem-me recordar que num debate
em que participei realizado no Alentejo em 2007 sobre o, na altura,
recém-criado Escola a Tempo Inteiro, uma professora contou que na sua escola
tinha sido arranjado um espaço para as crianças jogarem futebol a propósito do
qual um aluno fez a seguinte observação após o início das AEC, “Quando eu tinha
tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo
para jogar”. Elucidativo.
Como já disse, são conhecidas
boas experiências neste universo e devem ser sublinhadas e divulgadas, mas
também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada
de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não
curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus
espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de
actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios,
etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação
da população escolar alternativa à sala de aula.
Este obstáculo acaba por resultar
na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um
risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o
tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações
da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos e
áreas, de acordo com os modelos de organização curricular.
A enorme latitude de práticas que
se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a
inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas,
ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam
como assegurar o envolvimento e responsabilidade da escola e a sua autonomia?
Na verdade, embora compreendendo
a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se
minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja
educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e
equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de
actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Sendo optimista vamos esperar que
tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.
Nota final. Não referi, mas não
esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC,
designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de
"salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco
transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.
Vamos ter que repensar os
trabalhos dos miúdos, de muitos miúdos. O consumo excessivo, mesmo de
actividades fantásticas ou de actividades escolares, tem riscos.
Sem comentários:
Enviar um comentário