domingo, 25 de junho de 2023

SEDADOS, TRANQUILOS, MAS DOENTES OU INFELIZES

 Em Maio foram divulgados alguns indicadores de um inquérito realizado pela Lundbeck Portugal, farmacêutica especializada em doenças neurológicas e psiquiátricas, que merecem atenção, 33,6% dos inquiridos refere que já teve um diagnóstico de depressão, 62,1% já terá sentido sintomas de depressão em algum momento e 77,3% têm um familiar ou amigo com diagnóstico de depressão. São, na verdade, dados preocupantes, mas não surpreendentes.

A generalidade dos estudos sobre saúde mental em Portugal sugere uma alta incidência de problemas nesta área e a tendência de subida mantém-se.

De acordo com o Infarmed, nos primeiros seis meses de 2022 venderam-se 10.871.282 de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, cerca de 60000 por dia, um acréscimo de 4,1% face a 2021 traduzindo-se num encargo de 32,5 milhões de euros para o SNS.

No que respeita aos mais novos, segundo a Autoridade Nacional do Medicamento, em 2022 forma vendidas 288217 embalagens o metilfenidato, um fármaco, comercializado como Ritalina, Concerta ou Rubifen, destinado ao tratamento da designada perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA). Apesar de, felizmente, o consumo ter vindo a diminuir desde 2014, voltou a subir e atingiu um máximo desde 2003,

A estes dados faltará o volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020”, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um estudo coordenado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra durante o ano lectivo 21/22 envolvendo 5.440 jovens, com uma idade média de 14 anos e de mais de 150 escolas do Continente e Madeira encontrou sintomas de depressão em 42% dos adolescentes. Este este aumento está em linha com outros estudos, nacionais e internacionais.

Os efeitos da pandemia e as dificuldades que agora se vivem terão um impacto severo no bem-estar de pessoas e famílias.

Como já tenho referido, apesar de alguma maior atenção às questões da saúde mental esta continua a ser o parente pobre das políticas de saúde.

Na verdade, as pessoas com doença mental (sobre)vivem com um estigma que lhes retira direitos e qualidade de vida, autonomia e autoregulação. Com demasiada frequência estão sobremedicadas, andam “sedadas” incomodam menos os familiares, vizinhos, colegas, comunidade, nós. São pessoas que, por assim dizer, voam sobre um ninho de cucos.

Como referi e com base em dados recentes, Portugal tem das mais altas taxas de consumo de psicofármacos e de auto-medicação, é a cultura de tomar “qualquer coisinha” que ajude a sossegar face à vida e aos problemas que enfrentamos.

Por outro lado e como também referi, no que respeita aos miúdos, tem emergido uma reconhecida prática de medicalização e sobrediagnóstico dos seus problemas. É reconhecido no âmbito da intervenção dos profissionais de saúde de práticas excessivas de prescrição de fármacos para “acalmar” as crianças.

Estamos a alimentar um processo de "ritalinização" de muitos miúdos a quem, apressadamente e de forma excessivamente ligeira, é colocado um rótulo de “dismiúdo”, ou seja, terá uma “dis”função qualquer, que justifica a medicação, estou a lembrar-me, por exemplo, do aumento exponencial de crianças consideradas "hiperactivas” quando algumas estão bem longe de justificar o rótulo e muito menos o diagnóstico.

Finalmente, uma nota sobre a minha convicção de que a agitação das crianças de que se fala com muita frequência, mais não é, na maioria dos casos, do que uma imagem reflexa da agitação dos adultos que as rodeiam. Adultos agitados, embalam e sustentam crianças agitadas. Por isso, “de facto”, talvez seja melhor tomar qualquer coisinha para ajudar a sossegar, adultos e crianças.

E se não estivermos atentos, não será necessário recorrer à ficção para perceber que uma sociedade de gente sedada é uma sociedade muito mais “tranquila”, doente ou infeliz, mas “tranquila”.

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