No Público de hoje divulga-se o conjunto de estudos que tem vindo a ser realizado pelo Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar Social com a coordenação da Professora Margarida Gaspar de Matos. O primeiro trabalho foi divulgado em 2022, “Saúde Psicológica e Bem-estar”, e procurou caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar ao 12.º ano e 1.457 professores e os dados divulgados causaram alguma inquietação como sinal de mal-estar.
Recupero alguns indicadores que aqui referi na altura.
Um segundo estudo realizado através de um inquérito a 60 agrupamentos realizado entre Março e Abril de 2023, com o objectivo de com vista a “identificar, antecipar, alertar e recomendar acções necessárias a curto, médio e longo prazo” no que respeita à saúde mental e bem-estar na escola. Os indicadores relativos sinais de depressão e ansiedade agravaram-se em particular nas raparigas e nos alunos do secundário. É referido que “Também nestes grupos foram descritas dificuldades ao nível físico e psicológico, menor tolerância à frustração, maior desinteresse, desmotivação e inércia.”
Não é possível ignorar a importância
que merecem estes “retratos” das nossas comunidades escolares apesar de alguma
diversidade contextual o que leva a retomar reflexões que frequentemente aqui
tenho partilhado.
A experiência abrupta dos
períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e
adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de
todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter
implicações no seu bem-estar.
Desde logo e naturalmente pelo
impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu
bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este
impacto como também se verificou nos docentes.
Aliás, creio que o actual clima
vivido nas escolas, a crispação associada à forma como é gerida a situação e a
carreira dos professores, o modelo de governança, associado a políticas
públicas erráticas que interagem com mal-estar e falta de serenidade criam um
contexto pouco amigável para o bem-estar na escola.
O confinamento a que foram
sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção
equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e
comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na
"mochila" que os alunos carregam para a escola.
De facto, têm sido múltiplos os
estudos que referem esta questão, a deterioração do bem-estar e saúde mental de crianças e
jovens, mas também de adultos, designadamente professores no quadro da pandemia
e, no caso de docentes, também por questões de natureza profissional, carreira e valorização, bem como o envelhecimento, cansaço ou desânimo. Os confinamentos
a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos
pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão
dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância
desta matéria.
Deste quadro resulta a
necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que
habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de
saúde.
Assim, é fundamental que as
comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses
recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar.
As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito
provavelmente em situação de risco acrescido.
Crianças e adolescentes são mais
resistentes do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos,
professores, pais e técnicos.
É preciso sublinhar que os
professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade, valorização e reconhecimento para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e
aprendam.
Será bom não esquecer que, para além dos recursos, existem circunstâncias de risco para os quais se exigem
políticas públicas adequadas.
Contextos familiares vulneráveis
são, por exemplo, uma ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e
adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e
avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais a desvalorização
sentida, a asfixia da burocracia, o clima de escola em algumas situações, são,
entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos
docentes.
Por todo este cenário é crítico
que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte
preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos
necessários.
Ao que tem sido divulgado o Plano
de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde
incluindo a saúde mental, a ver vamos.
Uma nota para sublinhar a
importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas
no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de
projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.
Como cantava o Zeca Afonso, “seja
bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas,
projectos, experiências de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar
ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais
habitualmente seguido.
Com demasiada frequência muitos
destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a
envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros
constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o
dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.
Também com demasiada frequência
muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são
avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o
portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja
positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.
Todavia, preciso de afirmar que
muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos
notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que
todos os envolvidos mereceriam.
Também demasiadas vezes estas
iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas
agendas.
Tenho para mim, que não podendo a
escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia
poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da
escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as
escolas.
Com real autonomia, com mais
recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos
burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem
de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim,
tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também
externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares,
auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes
domínios.
Directores de turma com mais
tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em
múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em
número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e
desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem
iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência
mostra-o, um investimento com retorno.
São apenas alguns exemplos de
respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior
aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras
destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me
têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.
Está em jogo o desenvolvimento
escolar e pessoal de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, do futuro.
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