sexta-feira, 19 de maio de 2023

O CARTEIRO

 Nos dias do Alentejo, a lida determinou para a manhã a monda do alho francês e o princípio da tarde, como habitualmente, para verificar as caixas de mail e responder a quem é devido e alguma leitura. Mais à tarde será tempo para regar que o tempo vai malino com a falta de água e a ventaneira que ainda mais seca a terra e lhe tira à vida. Este ano já quase não se encontram papoilas para o ramo da espiga que ontem deveria ser feito.

Entre o mail pessoal e profissional, como sempre, tinha um número significativo de mensagens, boa parte das quais para eliminar. Dei por mim a pensar como, para além do telefone comunicávamos com os outros lá para trás no tempo, coisa de velho, já se vê.

Na verdade, as cartas e postais de natureza pessoal estão, lamentavelmente, sobrevivendo a alguma comunicação institucional e a publicidade que também entra pela caixa do correio.

São os carteiros que as trazem e que, em muitos locais, mais do que imaginamos quando vivemos em zonas urbanas, conhecem os destinatários e prestam um serviço que é bem mais do que a entrega de correspondência ou encomendas.

Ainda me lembrei com alguma saudade do Sr. Gonçalves, o carteiro da minha zona quando eu era adolescente. O Sr. Gonçalves que já partiu há alguns anos, era um homem de grandes bigodes, forte, tinha que o ser para transportar aquele enorme saco de cabedal castanho, e amigo da gente nova. Era uma figura.

Vou partilhar um segredo convosco, mas peço que mantenham a devida reserva, sobretudo não contem aos meus netos, não seria um bom exemplo. Durante algum tempo, o Sr. Gonçalves e eu tivemos um acordo. Ele mostrava-me os postais que vinham do liceu dirigidos ao meu pai com as notas e as faltas e eu quando o encontrava à tarde de vez em quando pagava uma cerveja na tasca do meu tio. Já vos tenho dito que não fui um aluno brilhante, longe disso, e no que respeita ao comportamento, é melhor nem falar. A cumplicidade com o Sr. Gonçalves no sentido de, por amor filial que compreenderão, proteger o meu pai de notícias menos agradáveis, era conseguida, eu acho, porque ele, no fundo, acreditaria que talvez eu não fosse um caso perdido. E não era, ele entendia de miúdos.

E eu gostava do carteiro, do Sr. Gonçalves, era um bom homem.

Sem comentários: