sexta-feira, 5 de maio de 2023

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE, NOVA TRAGÉDIA

 Desta vez o choque e o horror aconteceram na Sérvia. Em dias consecutivos um adolescente de 14 anos matou 8 colegas de escola e um jovem de 21 matou também 8 pessoas sendo que dos dois episódios também resultaram vários feridos.

Acrescenta-se mais um marco trágico num caminho que já vai longo, demasiado longo. Recorde-se alguns dos mais brutais, Suzano, Brasil, (2022), Uvalde (2022), Santa Fé, Texas e Parkland, (2018), Columbine (1999), Virgina Tech (2007) ou Sandy Hook (2012).

Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?

No que diz respeito aos Estados Unidos a insanidade do quadro legal de acesso às armas é por demais evidente e constitui uma variável crítica que, no entanto, não explica tudo.

Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade e são mais do que os citados e em diferentes geografias como Noruega, Finlândia ou França.

Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados se assemelhavam grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.

Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade. 

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O adolescente de 14 anos envolvido num dos dois episódios de agora é referido com muito reservado.

É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta assim, como apenas a mudança do quadro legal de acesso a armas não faria, só por si, com que não acontecessem episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.

Importa ainda definir estratégias mais proactivas e eficientes para minimizar a exclusão, o abandono e insucesso educativo, o "mal-estar" psicológico, a guetização e, com frequência, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha.

Para estas pessoas, o futuro passa por onde, por quem e porquê?



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