Parece-me um facto muito interessante e elucidativo a declaração do Presidente do Instituto de Avaliação Educativa em entrevista à Lusa em que, relativamente à realização em formato digital das provas de aferição que se vão iniciar, declarou (as condições) "ainda não são as ideais, mas o IAVE tentou desenvolver um sistema que pudesse mitigar essas dificuldades". Afirma ainda que a ”transição digital "é uma inevitabilidade" dos tempos actuais e era preciso aproveitar a "janela de oportunidades".
Claro que sabemos que a “transição
digital” é inevitável pelo que a “janela de oportunidades” deve ser aproveitada
para criar as condições para a… transição digital.
A questão é que, apesar dos
planos de contingência definidos nas escolas, os alertas de directores,
professores e pais mostram, não as oportunidades aproveitadas, mas a inoportunidade
da decisão do ME.
É certo que a longa marcha para a
desmaterialização é inevitável e também na educação se incorporarão as ferramentas
digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e
aprendizagem, bem como em todos os processos relativos à organização e
funcionamento escolar e do sistema no seu todo.
No entanto, é fundamental que a
transição digital, perdão, da desmaterialização, não faça parte do problema, mas da solução. A excessiva burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e
professores é um exemplo, como o será a realização das chamadas provas de aferição nas actuais circunstâncias.
E a verdade é que existem queixas
frequentes relativas ao acesso atempado a equipamentos por parte dos alunos, à
qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e
agrupamentos, não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos
necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular
nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por
exemplo. Acontece ainda que se verifica uma forte dispersão na literacia
digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de
desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas
situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.
Por outro lado, e para além da
disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º
ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada,
e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da
evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a
proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos
alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda
que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam
significativas.
No entanto, recordo que, se
considerarmos que são provas de aferição o não me parece correcto, também
teremos de considerar processos e não apenas produtos, resultados. Nestes
processos estará também contemplado o domínio da utilização de recursos
digitais, o que como já vimos, é de uma enorme latitude entre escolas e entre
alunos.
Este caminho deslumbrado de
desmaterialização em educação vai engolindo a avaliação externa e também a
avaliação interna submersa numa pressão "grelhadora" e chegará, temo,
ao ensino através de uma onda de “capacitação” para tal tarefa, mas que não
chega nos recursos e competências a todos os alunos.
Como diria o Senhor Ministro da Educação, estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar
de desafiante.
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