Lê-se no JN que, de acordo com informação da Autoridade Nacional do Medicamento, em 2022 forma vendidas 288217 embalagens o metilfenidato, um fármaco, comercializado como Ritalina, Concerta ou Rubifen, destinado ao tratamento da designada perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA). Apesar de, felizmente, o consumo ter vindo a diminuir desde 2014, voltou a subir e atingiu um máximo desde 2003, ano em que começou a ser comparticipado.
Estes fármacos são muitas vezes
referidos como “o comprimido da concentração” e usados em quadros de alegados
problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou
instabilidade. No entanto, é também usada como “auxílio” aos resultados
escolares sendo ainda conhecida pelo “comprimido da inteligência”.
Retomo algumas notas pois o
consumo destes fármacos envolve muitos milhares de crianças e adolescentes.
Esta matéria tem sido objecto de
intervenções recorrentes e dada a sua relevância importa continuarmos atentos.
Já em 2015 no seu Relatório Anual, “Estado da Educação 2015”, o Conselho
Nacional de Educação relevava o preocupante consumo desta medicação por parte
de crianças e adolescentes.
Também em diferentes intervenções
públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou Ana Vasconcelos têm
revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face aos riscos de
hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para as consequências destas
práticas que, aliás, não se verificam em todos os países. A pressão enorme que
envolve pais, professores, técnicos e clínicos face ao comportamento de algumas
crianças ajuda a perceber a tentação da medicação. Conheço de forma directa
algumas situações verdadeiramente preocupantes.
Quem lida com o universo de
crianças e jovens que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças
e adolescentes, esses problemas devem, se necessário é claro, ser abordados com
medicação evidentemente, mas, felizmente, não são tantas as situações como por
vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que possam ser produzidos
"diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais
dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma
perigosa indiferença sobre o que se observa. Aliás, é curioso,
insisto, perceber o que se passa noutras realidades.
É preocupante que muitos miúdos
surjam medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos
diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. A
sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos
tem riscos, uns já referenciados, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar
o que se passa com crianças e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético
e deontológico para além da óbvia competência técnica e científica. Não podemos
facilitar embora compreenda e sinta que a pressão é muita, quer nos contextos
familiares, quer nos contextos escolares e que os recursos, apoios e
orientações são muitas vezes insuficientes.
Creio que, com alguma frequência,
alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais
novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos
para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar
associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se
incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a
experiência de muitos profissionais parecem sugerir.
Recordo um estudo, já de 2016,
realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de
quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do
que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela
Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo
sentido.
E, de uma forma geral, para além
das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas
é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.
O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos dispositivos
digitais no dia-a-dia acentuou algumas preocupações.
Assim, acontece que durante o
período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e
adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não
pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia,
sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de
rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Também sabemos que este período
de pós-pandemia tem evidenciado um acréscimo de situações de
mal-estar de crianças e jovens pelo que aumentarão os pedidos de ajuda. No
entanto, a prudência é um bem de primeira necessidade.
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