quarta-feira, 3 de maio de 2023

DOS PERCURSOS DE SUCESSO

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou um relatório Resultados Escolares: Sucesso e Equidade” que analisa os chamados percursos de sucesso, alunos que finalizam o ciclo de estudos nos anos previstos. De acordo com este indicador, em 2021 e considerando o número de anos de cada ciclo, 91% dos alunos do 1º ciclo, 95% do 2º ciclo, 90% do 3º ciclo, 77% dos cursos Científico-Humanísticos do secundário e 70% dos Cursos Profissionais, concluíram no tempo previsto. Também a disparidade de resultados entre alunos com apoio da Acção Social Escolar e alunos não carenciados baixou.

Aparentemente são resultados positivos, mas … lá vêm as dúvidas "chatas" que teimo em sentir embora preferisse o contrário.

Vejamos a razão destas dúvidas. A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência também divulgou o estudo "Provas Finais e Exames Nacionais | Principais Indicadores – 2022". Considerando apenas o 3ª ciclo (não temos avaliação externa final no 1º e 2º ciclo) em 2022 e em Português a média foi de 2,9 na escala de 1 a 5 com 63% de notas positivas. Em Matemática apenas 42% dos alunos tiveram positiva com uma resultado médio de 2,5.

Como tenho escrito, a transição será um indicador de sucesso, mas sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos. Ontem também foi notícia a intenção do ME de agravar a penalização por excesso de “generosidade” nas avaliações internas das escolas. Esta simpatia e generosidade acontece sobretudo no privado embora exista também em escolas públicas.

Neste contexto torna-se imprescindível a existência de dispositivos de avaliação externa com uma função reguladora que as actuais provas de aferição não cumprem. Uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, em que os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

Se considerarmos como termo aproximado de comparação e com todas as reservas recordo que nas provas de aferição de 2021, no 5º e no 8º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Ora estes dados parecem apresentar pouca coerência entre os resultados das provas de aferição com os indicadores de sucesso que são baseados nas taxas de completamento dos ciclos nos anos definidos, discrepância também presente nos resultados das provas finais do 9º ano. Dito de outra maneira, será que o sucesso significa conhecimentos e competências adquiridas ou a “passagem” de ano?

Assim, poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha lógica de “transita, mas não progride”?

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição e de provas nacionais não parece compatível com os indicadores de transição. Já aqui tenho abordado a questão a propósito de resultados de outros anos escolares.

Acresce o facto deste grupo de alunos ter passado pela experiência dos confinamentos com um confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

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