Felizmente começam a ouvir-se com mais insistência discursos de discordância e reserva face à realização das provas que dizem ser de aferição em formato digital, designadamente no que se refere ao 2º ano. Quando em Novembro foi divulgada a decisão expressei aqui fortes dúvidas revelando perplexidade e inquietação com os meandros da chamada desmaterialização.
É certo que em múltiplas áreas e,
naturalmente, também na educação, a transição digital parece incontornável e
torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e
integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em todos os
processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema no seu
todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever
este texto.
Em segundo lugar é fundamental
que a transição digital não faça parte do problema, mas da solução como, por
exemplo, a burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e
professores parece sugerir.
E a verdade é que existem queixas
frequentes relativas ao acesso atempado a equipamentos por parte dos alunos, à
qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e
agrupamentos, não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos
necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular
nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por
exemplo. Acontece ainda se verifica uma forte dispersão na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre
escolas e entre alunos como a peça de hoje no Público revela, aliás, como a
própria decisão de realizar as provas por turnos. Acresce a preocupação expressa também por pais relativa a este formato
Por outro lado, pensando sobretudo nos alunos do 2º ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam significativas.
No entanto, recordo que, se considerarmos que são provas de aferição, também teremos de considerar processos e não apenas produtos, resultados. Nestes processos estará também contemplado o domínio da utilização de recursos digitais, o que como já vimos, é de uma enorme latitude entre escolas e entre alunos.
Este caminho deslumbrado de
desmaterialização em educação vai engolindo a avaliação externa e também a
avaliação interna submersa numa pressão "grelhadora" e chegará, temo, ao ensino
através de uma onda de “capacitação” para tal tarefa e um caminho de “desprofissionalização”
substituindo os professores uma qualquer espécie de Siri(s).
Quanto aos alunos, bom, a esses
parece impossível desmaterializá-los. Para já.
Estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.
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