A propósito da decisão do Governo no sentido de garantir um apoio de 20% do salário através da Segurança Social aos pais que decidam trabalhar em part-time por três meses cada um após o gozo da licença parental inicial encontra-se no Público uma entrevista com Ana Fernandes do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
A entrevistada, concordando com a
iniciativa, qualquer passo no apoio à promoção da natalidade é positivo, avalia um curto o alcance sem um projecto que envolva questões estruturais. Algumas notas.
De acordo com dados do Eurostat
relativos a 2021, Portugal foi o país da UE em que os jovens saem mais tarde de
casa dos pais, em média aos 33,6 anos. A média situa-se nos 26,5 sendo a Suécia
o país em que os jovens saem mais cedo, 19 anos seguido da Finlândia e
Dinamarca, 21,2 e 21,3. É também de registar que em todos os países as mulheres
saem mais cedo da casa dos pais.
Recordo que a Caritas divulgou em
2018 um Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!”
no qual também se reconhecia a dificuldade dos jovens portugueses em construir
projectos de vida autónomos e positivos.
Nesse trabalho eram identificadas
como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a
precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os também
elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação que com se sabe se
acentuou dramaticamente nos últimos tempos.
Este cenário ajuda a perceber
algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a
casa dos pais cada vez mais tarde e adiam projectos de vida que incluam
paternidade e maternidade. Para além das questões de natureza cultural e de
valores que importa considerar, bem como as políticas de família nos países do
norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens e as implicações da
conjuntura económica sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser
revertido.
Temos ainda um número muito
significativo (14,1% de acordo com o Eurostat) de jovens entre os 20 e os 34
anos que não estudam, nem trabalham, nem estão em formação, a geração “nem,
nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education,
Employment or Training). Acresce que uma parte significativa não está inscrita
nos Centros de Emprego.
Parece importante assinalar que
esta situação afecta sobretudo os jovens com menos qualificações o que também
não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão
social.
A estes indicadores já
profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do
recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata
e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo
para jovens altamente qualificados.
Esta situação complexa e de
difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida
das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras,
contar-se-ão o retardar da saída de casa
dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de
habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por
sua vez se repercutem no Inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte
preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As
gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada
na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades
no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito
significativo, mas menos tangível desta precariedade no emprego e na construção
de um projecto de vida autónomo e sustentado, é a promoção de uma dimensão
psicológica de precariedade face à própria vida no sentido global e que, com alguma
frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra
maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que
desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não
vislumbra saída mobilizadora e que recompense.
O aconchego da casa dos pais pode
ser a escapatória para a sobrevivência, mas potenciar o risco da desistência o
que certamente poderá ter implicações sérias.
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