sexta-feira, 14 de abril de 2023

ACESSO UNIVERSAL OU ALARGAMENTO DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

 De acordo com o Público, no âmbito do trabalho da Comissão de Revisão Constitucional, PS e PSD terão aceitado o princípio de definir a educação pré-escolar no sistema de ensino “universal, obrigatório e gratuito”.

A introdução da frequência obrigatória da educação pré-escolar é habitualmente associada objectivo de combate às desigualdades que afectam as crianças e dificultam o seu trajecto de desenvolvimento e educação de forma bem-sucedida.

Embora compreenda a necessidade e a importância da educação no combate às desigualdades, nenhuma dúvida sobre isso, a obrigatoriedade da frequência a partir dos três anos merece alguma reflexão. Algumas notas considerando o pressuposto de que garantir o acesso universal à educação pré-escolar não é o mesmo que tornar a escolaridade obrigatória a partir dos 3 anos.

Em 2020 foi divulgado um relatório da rede Eurydice, “Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019” com alguns dados interessantes.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus.

É recorrente também a divulgação de informação referindo a existência de muitas crianças em lista de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Também é reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.

Aliás, recordo que a partir de 2019 em França a escolaridade obrigatória em França começou a iniciar-se aos 3 anos. Na altura, em França estimava-se que 97% das crianças de 3 anos frequentem a “escola maternal” sendo que a maioria das que não frequentam vivem em agregados familiares com menores recursos económicos. É justamente esta situação que a medida de obrigatoriedade visa combater alicerçando os percursos educativos numa base de maior equidade.

Sabe-se que o processo tem decorrido com algumas dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a procura designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa.

Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa e integrada nas políticas públicas de educação.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que pode assumir no seu trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para o que será a sua vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que tem um valor por si só e não entendido como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.

Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos.

Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

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