domingo, 30 de abril de 2023

OS DIAS DO ALENTEJO

Está a chegar o calor ao Alentejo. A falta de chuva já por algum tempo leva a que os campos sequem mais depressa e o tom amarelo acastanhado vai substituindo o verde. Em qualquer tom os campos do Alentejo ficam bonitos, mas é melhor quando temos cada tom na altura que é normal e não quando a zanga da natureza altera os tempos.

Começa o tempo de gadanhar os pastos e enfardar para alimentar o gado.

Por aqui no monte foi esta semana que se gadanhou e enrolou. A seguir virá a enfardadeira que, num passo de mágica e para espanto dos meus netos, vai semeando fardos à medida que passeia no campo.

Estão as ovelhas do nosso amigo Valter à espera do aconchego.

E são assim os dias do Alentejo.

O pasto gadanhado e enrolado.



sábado, 29 de abril de 2023

VIDAS ADIADAS

 A propósito da decisão do Governo no sentido de garantir um apoio de 20% do salário através da Segurança Social aos pais que decidam trabalhar em part-time por três meses cada um após o gozo da licença parental inicial encontra-se no Público uma entrevista com Ana Fernandes do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

A entrevistada, concordando com a iniciativa, qualquer passo no apoio à promoção da natalidade é positivo, avalia um curto o alcance sem um projecto que envolva questões estruturais. Algumas notas.

De acordo com dados do Eurostat relativos a 2021, Portugal foi o país da UE em que os jovens saem mais tarde de casa dos pais, em média aos 33,6 anos. A média situa-se nos 26,5 sendo a Suécia o país em que os jovens saem mais cedo, 19 anos seguido da Finlândia e Dinamarca, 21,2 e 21,3. É também de registar que em todos os países as mulheres saem mais cedo da casa dos pais.

Recordo que a Caritas divulgou em 2018 um Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!” no qual também se reconhecia a dificuldade dos jovens portugueses em construir projectos de vida autónomos e positivos.

Nesse trabalho eram identificadas como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os também elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação que com se sabe se acentuou dramaticamente nos últimos tempos.

Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais cada vez mais tarde e adiam projectos de vida que incluam paternidade e maternidade. Para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar, bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens e as implicações da conjuntura económica sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido.

Temos ainda um número muito significativo (14,1% de acordo com o Eurostat) de jovens entre os 20 e os 34 anos que não estudam, nem trabalham, nem estão em formação, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training). Acresce que uma parte significativa não está inscrita nos Centros de Emprego.

Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo os jovens com menos qualificações o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.

A estes indicadores já profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.

Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no Inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.

No entanto, um efeito muito significativo, mas menos tangível desta precariedade no emprego e na construção de um projecto de vida autónomo e sustentado, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no sentido global e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.

O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência, mas potenciar o risco da desistência o que certamente poderá ter implicações sérias.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

DA SAGA AGRESSÃO A PROFESSORES, MAIS UM EPISÓDIO

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!).  Há muito pouco tempo aqui referi mais e episódio e volta a acontecer, desta vez numa Escola Básica e Secundária do Porto. Uma professora foi agredida na sala de aula por um aluno. Nesta escola e neste ano lectivo já se tinham registado dois casos de agressão a auxiliares.

A agressão realizou-se dia 17 e de acordo com a direcção da escola não foi tomada qualquer decisão porque o aluno tem faltado desde o episódio de agressão.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavares para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO ?

 Começa a ser difícil entender. Quando olhamos para a imprensa ou tentamos falar sobre Educação, a questão crítica e omnipresente é “Professores”, o Ministério da Educação parece ser o Ministério dos Professores sendo que em qualquer destes universos, por assim dizer, a situação é alarmante.

Neste contexto, torna-se ainda preocupante que se muitas dimensões relativas às políticas públicas de Educação já levantam questões, currículos, avaliação interna e externa, digitalização das provas de aferição e exames, insuficiência de recursos, burocracia asfixiante, falta de docentes, etc., também  as políticas públicas no que respeita aos Professores são igualmente preocupantes.

O último e estranho passo é o ME ter decidido não esperar a apreciação do Presidente da República ao novo diploma relativo aos concursos, que também não merece a concordância dos docentes, no qual se estabelecia a abertura 10700 lugares, e fixar em portaria publicada em DR 2401 lugares. Há aqui qualquer coisa de estranho e pouco compreensível para a generalidade dos cidadãos.

Assim, parece que embora o Ministério da Educação sendo pouco da Educação também não consegue ser o Ministério dos Professores.

Então para que serve o Ministério da Educação? Parece mais ser parte do problema que parte da solução.

Não é essa a função de quem estabelece as políticas publicas em educação que devem promover dimensões como qualidade e competência nos processos, qualificação validada através da avaliação externa, recursos adequados, equidade e inclusão, autonomia, valorização profissional e social doas actores, designadamente dos professores, etc.

A situação actual não pode, não deve prolongar-se, o futuro está em causa e a história julgará.

quarta-feira, 26 de abril de 2023

PLANO DE RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS PROLONGADO POR UM ANO. E DEPOIS?

 Ao que parece, o ME decidiu prolongar o plano de recuperação das aprendizagens, Plano 21/23 Escola + que foi definido para três anos e que terminaria este ano. A Assembleia da República já tinha aprovado uma recomendação no mesmo sentido e os directores escolares também o tinham solicitado.

Esta agenda levanta-me algumas dúvidas que também tenho colocado em textos anteriores sobre o Plano de Recuperação e de que retomo algumas notas.

O Plano está em desenvolvimento contando com a colaboração de 1169 técnicos especializados, entre psicólogos, terapeutas da fala assistentes sociais e técnicos de informática, entre outros profissionais cuja contratação tem como horizonte a duração do Plano 21/23, portanto, de mais ano conforme decisão agora conhecida. E depois?

A situação actual das escolas e a falta de docentes que se tem prolongado e ainda os efeitos da pandemia justificam que estes recursos continuem nas comunidades escolares com um horizonte mais alargado. Não se trata de uma problema de conjuntura, é de estrutura.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa deixam imensas dúvidas, o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trata de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar.

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação, não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

terça-feira, 25 de abril de 2023

25 DE ABRIL, QUASE 50 ANOS

 Quase 50 anos depois, o tempo voa, para as pessoas da minha geração é impossível não falar do 25 de Abril, daquele 25 de Abril, do nosso 25 de Abril, do meu 25 de Abril, o de 1974.

É com alguma frequência que falo com gente mais nova sobre o que era o 24 de Abril. Ainda há poucos dias o fazia com o meu neto Grande, o Simão no 4º ano a propósito do que estava a dar na escola sobre o Estado Novo. Quando conto a vida, o dia a dia daquele tempo, e algumas das circunstâncias que moldavam os dias percebe-se alguma perplexidade nos jovens, não tanto pelas referências às grandes questões da época, conhecem-nas pelas abordagens curriculares, mas, sobretudo, pelas pequenas histórias do quotidiano.

Histórias do clima de desconfiança e suspeição sobre a pessoa do lado que nos prendia dentro da gente, do livro que se não tinha e não se podia ler, do filme proibido, do disco que se contrabandeava; do teatro que não se podia fazer, da conversa que se não podia ter, do professor de quem não se podia discordar, da ideia que se não podia discutir, da repressão visível e, mais pesada, invisível, do beijo que não se podia dar em público, do livro único para formar um pensamento único, de tantas outras histórias com que se tecia um mundo pequeno que nos queria pequenos.

São sempre conversas estimulantes. É certo que me deixam a doce amargura da idade mas, talvez num excesso de optimismo, quero acreditar que estes miúdos ou jovens não irão permitir que se possa voltar a ter histórias daquelas para contar a gente mais nova. Sim, os tempos vão duros e têm-nos trazido circunstâncias que julgávamos que não voltariam e assustam.

Ainda assim, acho que boa parte desta gente mais nova, apesar das enormes dificuldades que enfrentam para construir um projecto de vida viável e sustentado, não vai mesmo crescer e estudar para ser escrava. Esta gente vai, apesar de por vezes se sentir "à rasca, chegar ao futuro.

Gosto de acreditar nisto. Também por causa daquele 25 de Abril.

E porque fica mais fácil e é mais bonito "Traz outro amigo também".










domingo, 23 de abril de 2023

DIA MUNDIAL DO LIVRO

 Hoje, dia 23 de Abril, de acordo com o calendário que organiza as nossas preocupações, são tantas, cumpre-se o Dia Mundial do Livro.

Os dias de chumbo que vivemos têm múltiplos impactos e também no mundo dos livros, os apoios neste sector, como noutras áreas, serão insuficientes.

No entanto, é imprescindível sublinhar e afirmar sempre que os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. Talvez tivéssemos perdido uma oportunidade enquanto os alunos estiveram em casa tanto tempo.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais.

Precisamos de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

sábado, 22 de abril de 2023

JÁ NÃO AGUENTO

 Os comportamentos autolesivos observados em crianças, adolescentes e jovens é uma das questões mais inquietantes para quem por qualquer razão está ligado ao universo dos mais novos. Quando uma criança ou adolescente provoca sofrimento severo a si próprio toda a comunidade perceberá que o mal-estar é enorme e importa estar atento e intervir.

O Expresso aborda esta questão a partir dos dados do mais recente estudo, "A Saúde dos adolescentes Portugueses", o de 2022, que integra o estudo internacional "Health Behaviour in School-aged Children", da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Aventura Social, de que destaco Margarida Gaspar de Matos e Tânia Gaspar. Na altura da sua divulgação também aqui registei estes e outros dados que justificam reflexão.

O estudo envolveu 5809 alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, uma amostra representativa destes anos de escolaridade. A natureza e diversidade dos dados encontrados justificará várias reflexões, mas hoje consideremos os indicadores relativos a adolescentes que se magoam a si próprios num quadro de mal-estar. Este comportamento é referido por 24,6% dos inquiridos, maioritariamente raparigas e mais no 8º ano. Em 2018, último estudo, a percentagem era de 19,6%. Trata-se, de facto, de um dado inquietante e reflexo do mal-estar em muitos adolescentes que é coerente com outros indicadores do trabalho.

Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de automutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes. Conheceremos melhor a situação comparativa quando estes dados forem cruzados com os de outros países envolvidos

Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.

Num estudo da Universidade de Coimbra, creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra se referia que cerca de 20% afirma já tinha desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida.

É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.

Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.

Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.

Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.

Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos, mas perdidos.

Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.

Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.

Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.

Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.

De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos autolesivos ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.

O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.

Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.

Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem, mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.

Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.

O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."

Desculpem a insistência nestas questões, mas é necessário.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

MAIS UM ENCONTRO E ...NADA

 E pronto. Realizou-se mais um encontro entre ME e representantes dos professores, não me parece adequado falar de negociação, e … aconteceu nada.

O processo parece andar enredado num jogo de palavras, agora referem-se “correcção de assimetrias”, “acelerador de progressão”, mas acordo … nada.

Entretanto, na realidade nas escolas a continuidade deste processo tem naturalmente impactos de diferente natureza para professores, pais, técnicos e alunos. Importa também considerar que existem ainda muitos alunos com professores em falta e também aqui devido a erros das políticas públicas de educação nos últimos anos, é bom não esquecer.

A natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, a burocracia asfixiante, o mal-estar acrescido pela manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto não favorecem a possibilidade de concertação e confiança.

O clima das escolas está significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções.

Uma política pública em matéria de educação está ao serviço da educação e das comunidades educativas e da qualidade do seu trabalho, é um instrumento de construção do futuro está obrigada a ter solidez ética, ser competente e politicamente clara.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

A GRANDE MARCHA DA DESMATERIALIZAÇÃO

 Felizmente começam a ouvir-se com mais insistência discursos de discordância  e reserva face à realização das provas que dizem ser de aferição em formato digital, designadamente no que se refere ao 2º ano. Quando em Novembro foi divulgada a decisão expressei aqui fortes dúvidas revelando perplexidade e inquietação com os meandros da chamada desmaterialização.

É certo que em múltiplas áreas e, naturalmente, também na educação, a transição digital parece incontornável e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em todos os processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema no seu todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever este texto.

Em segundo lugar é fundamental que a transição digital não faça parte do problema, mas da solução como, por exemplo, a burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e professores parece sugerir.

E a verdade é que existem queixas frequentes relativas ao acesso atempado a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda se verifica uma forte dispersão na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos como a peça de hoje no Público revela, aliás, como a própria decisão de realizar as provas por turnos. Acresce a preocupação expressa também por pais relativa a este formato

Por outro lado, pensando sobretudo nos alunos do 2º ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam significativas. 

No entanto, recordo que, se considerarmos que são provas de aferição, também teremos de considerar processos e não apenas produtos, resultados. Nestes processos estará também contemplado o domínio da utilização de recursos digitais, o que como já vimos, é de uma enorme latitude entre escolas e entre alunos.  

Este caminho deslumbrado de desmaterialização em educação vai engolindo a avaliação externa e também a avaliação interna submersa numa pressão "grelhadora" e chegará, temo, ao ensino através de uma onda de “capacitação” para tal tarefa e um caminho de “desprofissionalização” substituindo os professores uma qualquer espécie de Siri(s).

Quanto aos alunos, bom, a esses parece impossível desmaterializá-los. Para já.

Estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

EUTANÁSIA, O QUE PARECE SIMPLES NO QUE É COMPLEXO

 Sem surpresa o Presidente da República veta a lei relativa à eutanásia voltando assim à Assembleia da República. Não constitui surpresa e teremos que aguardar o desenvolvimento. Algumas notas em que insisto.

A discussão sobre a problemática da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que mais habitualmente se enuncia a questão.

Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente reguladas e definidas legalmente.

Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão era entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.

Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.

Também da eventual despenalização da morte assistida não creio que venha o caos e o terror anunciados num argumentário que em muitos discursos individuais ou institucionais destila manipulação e hipocrisia e insulta a inteligência e a sensibilidade.

Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.

No entanto, sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.

É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhuma destas instituições é dona da autodeterminação, da autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.

Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.

Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.

Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo outro caminho.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 Nos últimos tempos tem emergido um ruidoso, eu diria que de certa forma hipócrita, alarido relativo a uma situação que é de há alguns anos conhecida no Alentejo, mas não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, a situação de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e agora parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Têm sido cada vez são mais frequentes as referências situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos como o DN retrata ainda que existam em matéria de contratação e protecção algumas boas práticas.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu, como o Holanda, Bélgica ou Reino Unido.

Estes tempos são marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.

domingo, 16 de abril de 2023

O TERCEIRO PERÍODO

 Este ano lectivo, mais um ano atípico a que nos vamos habituando, ano tem sido marcado pelo processo de reivindicação dos docentes, que vai continuar, pelos discursos erráticas e expedientes do ME que prolonga um calendário de negociação, que de negociação tem pouco, esperando que os professores se cansem e a compreensão e apoio que as comunidades que têm manifestado se altere com a passagem do tempo. É mau e não serve os interesses de uma educação pública com qualidade e que cumpra a sua missão. Aguarda-se ainda que o Presidente da República tome alguma posição que contribua para alterar a situação instalada.

Entretanto, cumprindo os tempos que ainda são os da esmagadora maioria das escolas, inicia-se amanhã o terceiro período escolar.

Para muitos alunos será o período da decisão, das decisões. Uma boa parte dos alunos estará já "arrumada", ou porque convivem com um "chumbo" anunciado ou porque terão perspectivas de sucesso, com excelência ou com suficiência. Para quase todos os outros o terceiro período é o da recuperação, dito de outra maneira, será o das "explicações", a última tentativa para "salvar" o ano. Alguns destes ainda poderão ser incorporados no “contingente” da avaliação simpática que compõe estatísticas.

Também existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano, pelo que crescerá exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte. Aliás, ainda durante as férias de Páscoa muitas crianças e adolescentes terão passado já algum tempo nos centros de explicações. É preciso ir adiantando para garantir a "recuperação", a nota que permita “passar” ou dê acesso ao curso escolhido, pelo aluno ou pela família.

É também um período de promessas, "se passares, nós oferecemos-te ...", "se tiveres notas para entrar, terás ...". Chamam-se incentivos e providenciam, esperam os pais, uma ajuda extra à motivação para este terceiro período.

Para alguns alunos este terceiro período vai anteceder, espera-se uma mudança, de ciclo, de escola ou a por muitos desejada passagem para o ensino superior, esperemos que não desistam de estudar.

No final do ano uma parte dos alunos ainda vai realizar algumas provas ou exames. No 1º, 2º e 3º ciclos teremos provas de aferição (que não são de aferição) desmaterializadas, decisão que levanta sérias dúvidas sobretudo no 1º ciclo por razões que já aqui referi. Talvez fosse de apostar mais na desburocratização e na “desgrelhação” dos processos que realização de provas em suporte digital. No 9º e 12º teremos os exames com as mudanças já verificadas no ano anterior.

No entanto, para outros alunos, o terceiro período vai deixá-los mais perto do insucesso, da desmotivação, do abandono revoltado ou resignado. Eles terão falhado, mas não terão sido só eles, nós também.

Existe ainda um grupo de alunos que apesar de à luz de um novo paradigma e de uma onda de inovação vive dentro de espaços curriculares ou físicos que os podem “guetizar” e de quem também não se espera muito, são “adicionais”, são “selectivos”, são “redutores”, são outra qualquer designação muitas vezes começada em “dis”, que procuram sobreviver a ambientes que nem sempre são muito amigáveis e inclusivos apesar de algumas boas práticas que se saúdam e registam.

Na verdade, os próximos meses vão ser pesados, exigentes, apesar de haver quem entenda como fáceis os trabalhos dos alunos … ou dos professores.

Boa sorte e bom trabalho, para alunos, professores e pais.

sábado, 15 de abril de 2023

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL. UM JOVEM EMPREENDEDOR, EMPODERADO, COMO AGORA SE DIZ

 Bem, Marco, estão a terminar as férias da Páscoa, tiveste quatro negativas o que estás a pensar para o terceiro período?

Pai, não comeces já assim tipo seca, ainda estou de férias.

Eu sei, mas estou preocupado, tenho medo de que chumbes o ano.

Não te preocupes, se melhorar a alguma disciplina, assim tipo subir, os setores depois dão-me notas para passar.

O problema não é só passares, é ficares a saber o que é preciso para estudares mais à frente. Se calhar seria melhor arranjar umas horas de explicação para te ajudar nas disciplinas mais difíceis.

Pai, já estou na escola assim tipo bué de tempo, ainda queres que vá para a explicação, ganda seca.

O meu colega, o Francisco, disse-me que a filha anda numa explicadora muito boa, é um bocadinho cara, mas a filha já subiu as notas no fim do segundo período.

Eu acho que sou capaz de me safar sozinho, podíamos fazer um negócio, se eu passar dás-me assim tipo um telemóvel novo.

Sabes que não gosto muito desse tipo de negócios, deves sempre tentar fazer o melhor possível, porque é bom para ti, não porque vais ter um prémio.

Sim, mas ter um prémio também é bom para mim, fico satisfeito bué.

Todos nós temos obrigações e responsabilidades e não podemos cumpri-las só quando nos prometem prémios.

Pai, tás mesmo assim tipo menino. Toda a gente faz alguma coisa sempre a pensar o que vai ganhar com isso, assim tipo, tás a ver.

Certo, se te esforçares e passares de ano ganhas com isso.

Mas se ganhar também assim tipo um telemóvel ainda é melhor. No teu trabalho se te pagarem mais ficas mais assim tipo contente, ou não?

Como sempre não desistes. Então vamos combinar o seguinte, se passares o ano, sem negativas compro-te o telemóvel.

E se for assim tipo só com uma negativa?

sexta-feira, 14 de abril de 2023

ACESSO UNIVERSAL OU ALARGAMENTO DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA

 De acordo com o Público, no âmbito do trabalho da Comissão de Revisão Constitucional, PS e PSD terão aceitado o princípio de definir a educação pré-escolar no sistema de ensino “universal, obrigatório e gratuito”.

A introdução da frequência obrigatória da educação pré-escolar é habitualmente associada objectivo de combate às desigualdades que afectam as crianças e dificultam o seu trajecto de desenvolvimento e educação de forma bem-sucedida.

Embora compreenda a necessidade e a importância da educação no combate às desigualdades, nenhuma dúvida sobre isso, a obrigatoriedade da frequência a partir dos três anos merece alguma reflexão. Algumas notas considerando o pressuposto de que garantir o acesso universal à educação pré-escolar não é o mesmo que tornar a escolaridade obrigatória a partir dos 3 anos.

Em 2020 foi divulgado um relatório da rede Eurydice, “Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019” com alguns dados interessantes.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus.

É recorrente também a divulgação de informação referindo a existência de muitas crianças em lista de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Também é reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.

Aliás, recordo que a partir de 2019 em França a escolaridade obrigatória em França começou a iniciar-se aos 3 anos. Na altura, em França estimava-se que 97% das crianças de 3 anos frequentem a “escola maternal” sendo que a maioria das que não frequentam vivem em agregados familiares com menores recursos económicos. É justamente esta situação que a medida de obrigatoriedade visa combater alicerçando os percursos educativos numa base de maior equidade.

Sabe-se que o processo tem decorrido com algumas dificuldades dada a inexistência de respostas suficientes para a procura designadamente em áreas geográficas de demografia mais densa.

Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa e integrada nas políticas públicas de educação.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que pode assumir no seu trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para o que será a sua vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que tem um valor por si só e não entendido como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.

Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos.

Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

A HISTÓRIA DO SINALIZADO

 Era uma vez um rapaz chamado Sinalizado. Filho de uma mãe muito nova e pouco preparada para ser mãe, nasceu antes de tempo e ficou Sinalizado, nome curioso. E assim continuou.

Em pequeno, devido às condições muito precárias e com bastante dificuldade em que a sua família vivia, continuou Sinalizado.

À entrada na escola com a mochila que já carregava logo perceberam que devia ser Sinalizado. E foi. Toda a gente conhecia o Sinalizado, toda a gente sabia das circunstâncias de vida do rapaz, por isso mesmo era um Sinalizado.

Mais crescido, os problemas em que estava frequentemente envolvido continuavam a fazer com que o Sinalizado assim continuasse, Sinalizado.

Já no final da adolescência o Sinalizado envolveu-se em algo de mais grave e sucedeu uma tragédia que encurtou a sua vida.

Muita gente que conhecia o Sinalizado se interrogava e dizia ter dificuldade em perceber como podia tal vida ser vivida por um Sinalizado. Até foi notícia de rodapé em alguns jornais mais dados a estas coisas que acontecem aos Sinalizados.

Mas isto, desculpem lá, foi só uma história triste e sem jeito. Os Sinalizados raramente entram em histórias bonitas e bem contadas.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o terceiro relatório de monitorização do plano de recuperação de aprendizagens, Plano 21/23 Escola + que foi definido para três anos.

Considerando o inquérito a respondido por 742 agrupamentos e escola não agrupadas a” medida” “planos de desenvolvimento pessoal, social e comunitário” é considerada por 96% das escolas como evidenciando um impacto muito relevante ou relevante na recuperação das aprendizagens. Uma outra iniciativa, “Escola a Ler” envolvendo a promoção da leitura tem uma apreciação da mesma natureza.

A iniciativa Escola a Ler, como oobjectivo de promover a leitura em sala de aula tem uma avaliação do mesmo nível.

É relevante considerar que estes “Planos de desenvolvimento” são operacionalizados por técnicos especializados sendo que no âmbito do Plano 21/23 foram contratados 1169, entre psicólogos, terapeutas da fala assistentes sociais e técnicos de informática, entre outros profissionais. Este contrato tem como horizonte a duração do Plano 21/23.

Não é, pois, estranho que os directores escolares consideram necessário que o ME prolongue o plano de recuperação de aprendizagens por mais um ano.  A situação actual das escolas e a falta de docentes que se tem prolongado e ainda os efeitos da pandemia justificam essa solicitação que também foi discutida e recomendada no Parlamento.

Importa recordar que já no final da avaliação do 2º ano de existência do Plano se considerava a necessidade de o prolongar.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa deixam imensas dúvidas, o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trata de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar. 

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Acresce que o relatório da primeira monitorização feita pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência ao Plano de Recuperação das Aprendizagens 21/23 Escola+ evidenciou uma impressionante multiplicidade de processos, situações, medidas, iniciativas, designações, acções, actividades, em que se enredam os processos educativos escolares.

A esta dimensão do trabalho das escolas e agrupamentos junta-se a gama sem fim de Planos, Projectos, Programas, Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma coisa, certamente relevantes e, sobretudo, sempre, sempre, inovadores.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação, não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima, cuidar dos danos da pandemia, importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

SERIEDADE E JUSTIÇA

 Ainda num tempo de férias escolares uma nota sobre o conflito entre os professores e o ME que continua sem fim à vista e o que tem acontecido não permite antecipar quando e como terminará. Como já tenho escrito e insisto, só há uma forma de resolver conflitos de forma positiva, negociar, de forma séria e justa.

O ME continua em fuga para a frente e vai-se apoiando na tentativa de torcer o quadro legislativo no sentido de conter ou minimizar as consequências da greve em curso.

Paralelamente é divulgada informação e produzida opinião em dois sentidos, sublinhar o prejuízo causado aos alunos e diabolizar a greve e os professores recorrendo à produção de opinião e números com esse objectivo.

Parece clara a dificuldade em realizar uma greve que não tenha algum impacto na comunidade, esse é, justamente, uma das componentes do próprio processo da greve, seja em que sector de actividade for.

Parece-me também claro que os professores, na sua esmagadora maioria, prefeririam certamente não sentir motivos para realizar a greve com consequentes dificuldades para pais e alunos e para o seu próprio trabalho. Muitos esquecerão que boa parte dos professores também tem filhos ou netos dado o envelhecimento da classe.

O processo de reivindicação da classe docente surge surge da revolta, cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada, envelhecida e com quadros de mal-estar preocupantes.

Reafirmo a ideia de que os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

Deixem-me insistir, a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

A eternização deste conflito não serve a ninguém. Negociar com seriedade e justiça servirá a todos.

domingo, 9 de abril de 2023

A PROVA DE VIDA

 A D. Rosa, uma senhora idosa que vive só, chegou à porta do Centro de Saúde bem antes da hora de abertura e ficou a aguardar sem estranhar a quantidade de gente que tinha à sua frente. Depois da abertura, já bastante tempo passado, lá conseguiu uma senha de atendimento e arranjou um lugar para se sentar na sala de espera, bem composta, como é hábito.

Teve sorte, ao seu lado estava a D. Gracinda, uma senhora que, tal como a D. Rosa, vive só, com pouco contacto com a família e que ela conhece pois mora na sua rua. Assim, de conversa, sempre se passa melhor a espera e sempre se aproveita para trocar de queixas sobre a vida e de comentários sobre imensas coisas que muitas horas de televisão sugerem.

Estavam tão entretidas na conversa que a D. Rosa quase não dava conta de que estavam a chamar pelo seu número. A funcionária, depois de saber que a D. Rosa apenas queria dar uma palavrinha à sua médica de família por causa de uns incómodos que andava a sentir e sobre os quais ouviu uma explicação detalhada, informou, delicadamente, que não saberia se a Dra. Manuela a poderia atender, é que estava muita gente e as consultas já estavam atrasadas. Ainda assim, prometeu que tentaria conseguir que a D. Rosa fosse vista pelo que deveria esperar na sala.

A D. Gracinda, entretanto, já tinha sido chamada pelo que a D. Rosa se sentou, desta vez, junto de um casal de reformados muito simpáticos, embora a senhora esteja sempre muito queixosa, que costuma encontrar no Centro.

Foi até engraçado, pensou a D. Rosa, porque a conversa se encaminhou para a recordação dos tempos em que os três eram novos, das diferenças para os dias de hoje, sempre com a inevitável conclusão que, isso sim, naquele tempo é que era bom. Depois do casal ter saído, já consultado e com os papéis em ordem, considerando que se aproximavam as duas da tarde, a D. Rosa voltou ao balcão onde outra funcionária a informou que naquele dia a Dra. Manuela já não veria mais ninguém pois faltavam ainda três pessoas e a Dra. precisava de sair logo.

Com a tranquilidade de quem não tem pressa, a D. Rosa foi embora devagar, para a casa só, a pensar para consigo que no dia seguinte voltaria ao Centro, mas viria um bocadinho mais cedo.

Felizmente, agora já não está tanto frio, o pior é estar de pé, mas pode estar alguém para conversar e sempre ajuda a apassar o tempo.

sábado, 8 de abril de 2023

A LER, "AGUARDA A TUA VEZ"

 Para fugir à dureza dos dias sabe bem parar na empatia e afecto que enchem a crónica de Afonso Reis Cabral no JN, “Aguarda a tua vez”.

 O meu irmão está em todo lado mesmo quando não surge à primeira vista - mesmo quando é fim-de-semana e prefiro ir ao Oceanário. Já sentia falta de uma crónica pequena, minha e do meu irmão e de mais ninguém. As crónicas pequenas são onde descanso com as grandes coisas."

(...)

sexta-feira, 7 de abril de 2023

DO PAN - PLANO DE ARRASTAMENTO NEGOCIAL

 Vai sendo cada vez mais clara a intencionalidade do PAN, Plano de Arrastamento Negocial, desenhado pelo ME desde o início do processo de reivindicação dos professores.

No entanto, contrariamente ao que se seria esperado pelo ME, as posições dos professores têm sido genericamente compreendidas e apoiadas, e nem o prolongamento do Plano, vem desde Setembro, tem feito diminuir esse entendimento conforme algumas sondagens têm sublinhado.

Com este prolongar do processo são também cada vez mais visível o papel da imprensa amiga no sentido de fragilizar as posições dos professores. Lamentavelmente nada de novo, na falta da razão, desenha-se a informação e manipula-se a emoção. Eles, neste caso os professores, vão cansar-se, vão desanimar, e o “povo” e aumentará a pressão para se aquietarem e voltar a "normalidade". 

Sim, é verdade que existe um enorme cansaço e desânimo na classe docente, mas não decorre do processo de contestação desencadeado. É exactamente ao contrário, o processo de reivindicação surge, justamente, pelo cansaço e desânimo de muitos anos a sentir-se maltratada, desvalorizada socialmente e profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada e envelhecida e com quadros de mal-estar preocupante

É daqui que vem o cansaço e desânimo, não é da tentativa de mudar esta situação. O ME e as Finanças continuarão, provavelmente, o Plano de Arrastamento Negocial. Ao que parece o Presidente da República quer ouvir os professores.

É importante que o faça, as suas razões são justas, são imprescindíveis à valorização necessária da carreira docente e à capacidade de atrair novos actores que compensem o abandono e o envelhecimento que se verifica.

Não sei o que vai acontecer nos próximos tempos, mas como já escrevi, as políticas públicas são para as pessoas, para as comunidades. A história não vos absolverá, nem que cheguem a reitores ou reitoras.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

NÃO DÁ PARA ENTENDER

 Na leitura do Público de hoje dei-me conta de algo surpreendente. O calendário de inscrição para os exames de acesso ao ensino superior coincide quase totalmente com as férias escolares que estão a decorrer. O prazo iniciou-se ontem 4 de Abril, já com os alunos em férias, e termina dia 17, o primeiro dia de aulas.

Como evidencia em texto do Público, “Um barco à deriva”, Manuel Pereira, Presidente da direcção da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, a decisão é incompreensível.

As alterações no processo, a informação sobre a escolha dos exames a realizar em função das motivações para o acesso, dúvidas sobre as decisões a tomar levam a que os alunos e encarregados de educação solicitem habitualmente apoio dos professores e serviços de apoio das escolas em todo este processo.

Acontece que a inscrição nos exames acontece com os alunos em férias, eventualmente longe das escolas ou mesmo das famílias e o contacto com os professores para eventuais esclarecimentos ou apoio é, obviamente, mais difícil, senão impossível.

Não encontro qualquer razão que sustente esta decisão, servirá o quê e quem? Vai sendo cada vez mais difícil entender que Educação defende o Ministério da Educação. Será uma Educação mitigada?

quarta-feira, 5 de abril de 2023

OS DIAS MÁGICOS DA AVOZICE

 Desculpar-me-ão, mas cá estou de novo a recordar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa, a avozice. É sempre assim a cada 5 de Abril  ou 4 de Julho e sempre assim será.

Cumprem-se hoje sete anos desde que entrei pela segunda vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice, nasceu o Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Felizmente, as circunstâncias têm mantido os netos por perto. Às vezes, quando brincam ou quando dormem, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, que nasceu há nove anos e o grande neto Pequeno, o Tomás, agora com sete e fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito, muito bonito.

A magia da avozice recorda-me sempre, já aqui o contei, a fala de um Velho de Cabo Verde, amigo do meu amigo Amílcar, que dizia a propósito do quanto gozava a sua condição de avô, "Se soubesse que ter netos era assim, tinha tido os netos antes dos filhos".

Acho curiosíssima a ideia e elucidativa deste mundo mágico, ser avô.

No entanto, a ordem das coisas é a ordem das coisas, cresce um filho até ser Gente, vão crescer os netos até serem Gente.

E eu espero estar por perto mais algum tempo.

terça-feira, 4 de abril de 2023

E AMANHÃ?

 Realiza-se amanhã mais uma reunião entre o ME e as estruturas representantes dos professores. Ao que se sabe será discutida uma das questões mais críticas em todo este processo, a recuperação total do tempo de serviço congelado.

Não estou particularmente optimista, mas seria desejável que existisse … negociação.

O arrastamento deste processo parece incompreensível, mas talvez se inscreva na estratégia definida pelas tutelas, ME e Finanças.

Todo este processo já decorre há tempo demais e, provavelmente, contrariamente ao que se seria esperado pelo ME, as posições dos professores têm sido genericamente compreendidas e apoiadas, nem o arrastamento tem feito diminuir esse entendimento conforme algumas sondagens têm sublinhado.

De qualquer forma urge um acordo, justos, com contas bem feitas e com a consideração do que está verdadeiramente em jogo.

Embora o ME não tenha um currículo sólido na realização de contas, parece claro que o tempo já passado seria mais do que suficiente para se perceba com segurança o que em termos de custos será o impacto do que que é solicitado pelos professores, incluindo as alterações advindas da reforma de muitos milhares de professores que serão, seriam, substituídos por docentes mais novos e com estatuto salarial também ele mais baixo.

Não é conhecida a intenção por parte dos professores de não negociarem, é justamente o que têm afirmado continuam a afirmar.

A continuidade deste processo tem naturalmente impactos de diferente natureza nas comunidades educativas para professores, pais, técnicos e alunos. Importa também considerar que existem ainda muitos alunos com professores em falta e também aqui devido a erros das políticas públicas de educação nos últimos anos, é bom não esquecer.

A natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, o mal-estar acrescido  pela manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto não favorecem a possibilidade de concertação e confiança.

O clima das escolas está significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções. Muitos estudos mostram uma relação relevante entre qualidade educativa em diferentes parâmetros e múltiplas dimensões do clima institucional.

Como parece claro, a única forma de ultrapassar este cenário, é a negociação e esta não pode ser de serviços mínimos, o que está em jogo é demasiado importante.

Reafirmo a ideia de que os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

A defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

O futuro passa pela educação e pela escola, donde ... abandonemos um tempo de serviços mínimos e criemos um tempo de entendimento, não precisa de ser máximo, apenas um entendimento justo.

Que acontecerá amanhã? E depois de amanhã?

segunda-feira, 3 de abril de 2023

A HISTÓRIA DO PALHAÇO

 Era uma vez um rapaz chamado Palhaço. O seu nome era dos mais conhecidos na escola onde andava. Desde o início que colegas e professores achavam um nome muito a propósito. É que o Palhaço passava o tempo a fazer, claro, palhaçadas. Os colegas riam-se com ele e dele, estavam sempre à espera de qualquer cena ou situação inventada pelo Palhaço na sala de aula que os fizesse rir. Ele respondia ao que esperavam e todos os dias acontecia qualquer coisa de diferente, ou de repetido, mas sempre divertida, arranjada pelo Palhaço.
Os professores não achavam muita graça e inúmeras vezes o repreendiam ou até castigavam porque não suportavam as suas palhaçadas que atrapalhavam o funcionamento das aulas.
Toda a gente pensava que o Palhaço se divertia imenso com as suas palhaçadas pelo que, sobretudo os professores, se zangavam com ele, estava sempre a gozar, diziam, o que obviamente não se pode aceitar.
O mais curioso nesta história é que ninguém tinha percebido que o Palhaço detestava palhaços e palhaçadas. Por isso as fazia e se sentia infeliz a rir.
De tristeza.

domingo, 2 de abril de 2023

DO CONTINGENTE PRIORITÁRIO PARA ALUNOS CARENCIADOS NO ENSINO SUPERIOR

 Nas alterações no dispositivo de acesso ao ensino superior está definido um contingente prioritário destinado a alunos que sejam beneficiários do escalão A da Acção Social Escolar. O contingente será de 2 alunos por curso ou de 2% para cursos com mais de 100 vagas e entra em vigor no próximo ano lectivo em fase experimental generalizando-se em 2025.
No Público lê-se que todas as instituições da rede pública de ensino superior decidiram estabelecer vagas para este contingente especial. O mapa de vagas por curso foi hoje conhecido bem mais cedo do que é habitual e é o mais elevado de sempre.
Como já aqui tenho escrito, é habitual ouvir-se que, recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo, considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas. Donde, o caminho só por aqui é demasiado estreito.
Importa sublinhar que o combate à desigualdade e a promoção de igualdade de oportunidades se exige desde a educação pré-escolar e em todo o trajecto escolar com a existência de dispositivos de apoio suficientes e competentes.
A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.
Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar. Aliás, dos 50 000 alunos que ingressaram no ensino superior este ano lectivo cerca de 1400 beneficiavam do 1º escalão da Acção Social Escolar.
Neste contexto seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. As pessoas com baixas expectativas acomodam mais facilmente o insucesso, é o “destino”, aprendem a viver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.
As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE apesar do abaixamento das propinas. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.
Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.
Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é alto e mais alto nas populações mais vulneráveis.
Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

sábado, 1 de abril de 2023

OS DIAS DAS MENTIRAS

Como acontece com quase tudo o que está no nosso mundo, as mentiras também têm o seu dia, o 1 de Abril. Lembro-me que ainda miúdo o dia 1 de Abril era aguardado com alguma excitação. Numa rígida matriz judaico-cristã em que a ideia do pecado desempenha um papel essencial, ter um dia em que se pode pecar, mentir, era algo de estimulante. Esmerávamo-nos na tentativa de criar a melhor das mentiras.
A imprensa tinha, alguma tem ainda, o hábito de colocar uma mentira e ficaram célebres algumas das que ao longo dos anos fizeram primeiras páginas de jornais ou abertura de noticiários televisivos.
O problema grande é que nos tempos que atravessamos não temos O Dia das Mentiras. Numa espécie de concorrência desleal vivemos nos dias das mentiras. Com a capacidade de inovação que caracteriza a humanidade agora fala-se “pós-verdade”, “factos alternativos” ou, em inglês é mais sofisticado, em “fake news”. O processo de “fact check” tornou-se imprescindível e nem sempre esclarecedor.
Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social baixaram e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção seja qual for a designação.
Mente-se para alimentar relações laborais precárias e lesivas dos direitos das pessoas a projectos de vida viáveis e positivos.
Mente-se para proteger agendas pessoais ou interesses corporativos.
Mente-se para manipular ou alimentar clientelas que sirvam de patamar para o poder, os poderes, pequenos ou grandes e de natureza diferenciada.
Mente-se para fazer ou pedir um “jeitinho” que só varia na escala, dos cêntimos aos milhões.
Mente-se para legitimar decisões incompreensíveis.
Mente-se para vender ilusões ou promessas.
Mente-se vivendo, por vezes, a vida num fingimento.
São mentiras demais.
Um dia destes, alguém se lembrará de instituir um Dia da Verdade. Nessa altura vamos ver como reagimos à verdade a que já não estamos habituados.