No DN refere-se uma conferência hoje organizada pela Associação Portuguesa para a Igualdade e Direitos dos Filhos com tema "Da prevenção à intervenção em conflitos parentais".
A temática, como o título sugere, centra-se na existência de
conflitos entre os pais em processos de separação e considerando a regulação
parental. Na peça é referido em 2021 chegaram aos tribunais de família e menores
31 181 processos cíveis relativos das responsabilidades parentais, sendo que 11
356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%) pedidos de
regulação.
Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme
sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que
cada um dos elementos possa ter em todo o processo.
É uma situação também muito complexa no que respeita à
intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social
lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de
Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos
em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não
raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os
adultos.
É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de
reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos
e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de
quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de
separação.
No entanto, existem muitas circunstâncias em que os
processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e
adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de
forma inquietante
Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos
são alvo de recorrentes abordagens na imprensa e no âmbito da minha experiência
são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas
inquietação.
Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre
preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações
familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de
sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos emocionais
muito elevados, designadamente para as crianças.
Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles,
situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos
pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente
como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”.
Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro
progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou,
mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.
Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do designado
Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua
análise, nem a utilização como conceito parece consensual em termos clínicos e
jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí,
naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.
É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das
crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos
casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual
condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar.
Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.
Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me
serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança
e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões
relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito
contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.
O volume de opiniões sobre estas situações é extenso,
oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento mais
científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens
lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s)
ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança
se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva
preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos
e crescidos.
No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e
perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma
frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem
negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes
vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre
encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.
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