No JN encontra-se uma peça com um expressivo título, “Cidades pouco inclusivas aprisionam cegos em casa”
Existem matérias que muito provavelmente nunca sairão da
agenda de preocupações. As dificuldades sentidas por pessoas com deficiência na
sua vida diária e em múltiplas dimensões constituem uma dessas questões.
Como tantas vezes aqui tenho escrito e certamente voltarei a
fazê-lo, o quotidiano de muitos cidadãos com deficiência e, em particular, com
mobilidade reduzida transforma-se numa contínua corrida de obstáculos na
generalidade dos nossos espaços urbanos.
De facto, é recorrente a chamada de atenção para estas
questões por parte de cidadãos e associações, mas apesar de algumas mudanças e
da existência de enquadramento legislativo mais adequado, a realidade é ainda
muito pouco amigável para a qualidade de vida de muitas pessoas.
Recordo que em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório
sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção
das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são
múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos
edifícios em que funcionam serviços públicos.
Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que
um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não
têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de
atendimento adaptados do ponto de vista da altura.
Como referi em cima e acontece em outras áreas, a legislação
portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas
a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda
dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre,
frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das
acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.
Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas
minoritários.
Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das
acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como
vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e
comportamento de muitos de nós.
Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para
os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação
recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.
Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios
rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade
reduzida que recorrem a cadeira de rodas?
Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para
pessoas com deficiência visual?
Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano
desadequado?
Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de
transporte público?
Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com
cadeira de rodas?
Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com
mobiliário urbano erradamente colocado, degradado, que criam dificuldades
enormes e insegurança a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade
reduzida ou com deficiência visual?
Quantos programas televisivos ou serviços públicos
disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população
surda?
Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração
central ou local criam problemas de acessibilidade?
Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras
arquitectónicas?
Quantos estabelecimentos comerciais de múltipla natureza
são, na prática inacessíveis a pessoas com mobilidade reduzida?
Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de
desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as
minorias e as suas problemáticas. Por quanto tempo precisaremos de o relembrar?
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