quinta-feira, 2 de março de 2023

A PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

 A imprensa de hoje refere que em 2022 foram na plataforma Notifica da DGS mais de 1600 episódios de violência contra profissionais de saúde. As instituições denunciaram criminalmente mais de 200 situações. Trata-se do volume de episódios registados mais alto no período de funcionamento da plataforma. É de considerar ainda que receberam apoio psicológico após episódios de violência mais de 540 profissionais e existem mais de 800 botões de pânico nas instituições.

São indicadores preocupantes, mas não surpreendentes dada a regularidade co que são conhecidos episódios de violência dirigida aos profissionais de saúde. Como eventuais explicações são habitualmente referidos os potenciais efeitos que a situação de grande dificuldade e económica que atravessamos, incluindo problemas específicos relativos ao funcionamento das instituições de saúde que podem funcionar como geradores de tensão, instabilidade levando a ofensas e mesmo agressões.

Sem minimizar estes efeitos de natureza mais psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa reflectir numa outra perspectiva.

Em primeiro lugar deve sublinhar-se que os profissionais da saúde não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos de agressividade. Sucedem-se, por exemplo, agressões a representantes de forças policiais e são demasiado frequentes e graves os episódios de agressão a professores.

Por outro lado, é minha convicção que, para além dos efeitos das condições sociais e económicas, vale a pena considerar dois aspectos que me parecem essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que estarão fortemente ligados a estes fenómenos.

Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que iniba ou modere comportamentos de agressão e de ofensa. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".

O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. O comportamento e os episódios conhecidos envolvendo figuras de relevo político, económico e social e a sua falta de consequências são elucidativos

Considerando este quadro, parece importante, como tantas vezes tenho referido, o trabalho desenvolvido no âmbito de uma "Educação para a Cidadania" assim como a formação dos grupos profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.

Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

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