sexta-feira, 17 de março de 2023

MIÚDOS COM SONO

 Na passagem de olhos pela imprensa dei conta de que no calendário das consciências se assinala hoje o Dia Mundial do Sono. Porque assim é, algumas notas sobre os hábitos de sono dos mais novos matéria que me parece importante e que nem sempre tem a atenção que deveria. Retomo algumas notas que por aqui tenho referido e que também abordo em muitas conversas com pais.

Em 2021 foi publicado na "Sleep Medicine" o estudo, “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and association with childhood screen-and sleep-time”, realizado Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da U. de Coimbra.

A investigação envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidenciou, em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no tempo de sono das crianças.

Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização excessiva.

A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita aos mais novos.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido.

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.

O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos dispositivos digitais no dia-a-dia que continua a acentuar-se coloca algumas preocupações que este estudo vem de novo sublinhar.

Em 2013, um trabalho da University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.

Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como se constata em muitas conversas com pais de crianças e adolescentes.

A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.

Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.

As situações de stresse familiar serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto como também o sugere o trabalho agora divulgado.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A experiência diz-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

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