No Público entra-se uma peça interessante na qual, citando alguma evidência, se associa um melhor desempenho escolar a um começo mais tardio das aulas, sobretudo no que respeita a adolescentes e jovens adultos.
Pensando sobretudo nos mais novos creio que a questão mais
relevante se prende com as horas e qualidade do sono e menos com a hora a que
as aulas começam. No entanto, parece claro que, dou o exemplo do meu neto que
no 1º ano e frequentando uma escola em funcionamento desdobrado entrava às 8h o
que não é uma situação favorável ao bem-estar e disponibilidade para a
aprendizagem e para a ensinagem.
Também sabemos que a cultura e a geografia se relacionam com
as rotinas diárias pelo que fixar uma hora “ideal” para iniciar as aulas não
parece uma tarefa fácil.
Do meu ponto de vista a questão mais relevante será as horas
de sono e a sua qualidade que crianças adolescentes e jovens usufruem e é, como
muitas vezes aqui tenho referido, uma questão negligenciada em muitas famílias
e com impacto no rendimento e comportamento escolar dos mais novos.
Retomo algumas notas que há pouco tempo aqui deixei a
propósito do por aqui tenho referido e que também abordo em muitas conversas
com pais.
Em 2021 foi publicado na "Sleep Medicine" o
estudo, “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and
association with childhood screen-and sleep-time”, realizado Centro de
Investigação em Antropologia e Saúde da U. de Coimbra.
A investigação envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10
anos de escolas públicas e privadas e evidenciou, em linha com o que já se
conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou
a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no
tempo de sono das crianças.
Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com
mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas
famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese
explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital
destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização
excessiva.
A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de
grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as
idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita
aos mais novos.
Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade
do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes
inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas
idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida
especialista nesta área, vão no mesmo sentido.
E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos
estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de
aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.
O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos
dispositivos digitais no dia-a-dia que continua a acentuar-se coloca algumas
preocupações que este estudo vem de novo sublinhar.
Em 2013, um trabalho da University College of London
mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora
podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o
processamento da aprendizagem.
Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e
dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente
considerada como se constata em muitas conversas com pais de crianças e
adolescentes.
A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba,
naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes,
incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos
frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas
ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas
excitadamente, deambulam atreladas aos pais.
Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas
nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse
familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações
comportamentais durante o dia.
As situações de stresse familiar serão importantes, mas
parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos
de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas
tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e
adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto como
também o sugere o trabalho agora divulgado.
Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao
sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de
um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar
consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção,
ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro
geral de pior qualidade de vida.
Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e
dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes,
sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como
hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos
de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e
padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos
profissionais parecem sugerir.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa
que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões
e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja
regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.
A experiência diz-me que muitos pais desejam e mostram
necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.
Sem comentários:
Enviar um comentário