Depois do Ensino Básico vai iniciar-se na próxima semana o período de discussão a proposta relativa às Aprendizagens Essenciais a Matemática para o 10.º, 11.º e 12.º anos e ensino profissional. Da discussão deverá sair o programa de matemática que entrará em vigor em 2024 para o 10º ano, generalizando-se progressivamente.
A questão do currículo de Matemática, e não só, é uma
matéria quase que permanentemente na agenda, com mudanças sucessivas e o conhecimento
das propostas desencadeará certamente as divergências habituais, começando logo
pela própria decisão de alterar.
Não sou especialista em questões curriculares, mas
curiosamente duas Associações, Sociedade Portuguesa de Matemática e a
Associação dos Professores de Matemática, representativas deste universo quase
sempre têm entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos
que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos, me levantam dúvidas e,
por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática. Aguardemos pela
publicação das apreciações.
No entanto, julgo que estruturas curriculares demasiado
extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho
da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade sendo
ainda que não será só a Matemática que poderia beneficiar de ajustamentos em
matéria de currículo.
Por outro lado, e como aqui tenho escrito o desempenho a matemática
pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas
variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e
dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou
questões de natureza didáctica e pedagógica.
Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis
menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter
também algum impacto.
Nesta perspectiva retomo algumas considerações.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção
que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a
contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de
mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o
desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos
resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda
para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação
sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada
nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a
Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm
“jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir
figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca
tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se
atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e,
por vezes, bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos
nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de
contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a
Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e
como sempre será a escola o braço operacional da comunidade que quer fazer a
diferença a fazer a diferença.
Parece ainda claro e é uma questão central claro que para
promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem
nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial criar e tornar
acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e
competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo.
Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença,
em muitas escolas isso acontece. No entanto, para que isto seja consistente e
não localizado, também sabemos que o sucesso se constrói identificando e
prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos
adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e
suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que
sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de
autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição
de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos
professores, com práticas de diferenciação que não sejam
"grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e
face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer
para professores quer para alunos, etc.
Uma nota final para a importância da avaliação externa como
forma imprescindível de regulação. A qualidade é promovida considerando o que
escrevi em cima e regulada em termos globais pela imprescindível avaliação externa que permite
análises necessárias, nacionais ou internacionais.
É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos
projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o
caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.
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