quinta-feira, 23 de junho de 2022

PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS - 2021

 Por coincidência retomo a questão da protecção de crianças e jovens que, aliás, deve estar sempre na agenda das comunidades.

Foi divulgado o relatório anual da Comissão Nacional Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens relativo a 2021.

Alguns indicadores mais relevantes. No ano passado foram acompanhados pelas Comissões de Protecção 69.727 crianças e jovens um aumento que se verifica depois de terem diminuído de 2017 para 2018 e de 2019 para 2020.  

As questões ligadas à educação (absentismo, insucesso ou abandono escolar), a negligência e a violência doméstica têm o maior volume de casos registando-se uma subida de 60% relativamente a 2020. Os problemas relativos à educação são os de maior incidência com 2989 situações, predominando o problema do absentismo. Também se registou um aumento de 2262 para 2417 no número de casos envolvendo comportamentos de perigo na Infância e Juventude, com maior prevalência de indisciplina e os comportamentos anti-sociais.

Deixem-me insistir no que ontem aqui escrevi a propósito da tragédia ocorrida em Setúbal que provou a morte brutal de uma menina de três anos cuja situação terá sido sinalizada e arquivada.

Algumas notas que não pretendem atribuir responsabilidades, não quero, não posso e não devo, mas apenas voltar a alertar para uma situação recorrente.

De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em Portugal, apesar de existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.

Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais adequadas e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.

Muitas vezes tenho aqui referido a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.

Este cenário permite que ocorram situações como a agora conhecida, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. E tal como nesta situação é frequente ouvir depois de alguns episódios mais graves uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada”, mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.

Sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas. Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.

Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

As crianças são resilientes, mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade.

Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai atingir”.

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