Por coincidência retomo a questão da protecção de crianças e jovens que, aliás, deve estar sempre na agenda das comunidades.
Foi divulgado o relatório anual da Comissão Nacional
Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens relativo a 2021.
Alguns indicadores mais relevantes. No ano passado foram acompanhados
pelas Comissões de Protecção 69.727 crianças e jovens um aumento que se
verifica depois de terem diminuído de 2017 para 2018 e de 2019 para 2020.
As questões ligadas à educação (absentismo, insucesso ou
abandono escolar), a negligência e a violência doméstica têm o maior volume de
casos registando-se uma subida de 60% relativamente a 2020. Os problemas
relativos à educação são os de maior incidência com 2989 situações,
predominando o problema do absentismo. Também se registou um aumento de 2262 para 2417 no número de
casos envolvendo comportamentos de perigo na Infância e Juventude, com maior
prevalência de indisciplina e os comportamentos anti-sociais.
Deixem-me insistir no que ontem aqui escrevi a propósito da tragédia ocorrida em Setúbal que provou a morte brutal de uma menina de três anos cuja situação terá sido sinalizada e arquivada.
Algumas notas que não pretendem atribuir responsabilidades,
não quero, não posso e não devo, mas apenas voltar a alertar para uma situação
recorrente.
De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em
Portugal, apesar de existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às
crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no
incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que
me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e
jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões
de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão
ainda longe de ser as mais adequadas e operam em circunstâncias difíceis. Na
sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades sobre um número de
situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta.
A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é
composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se,
como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido,
independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Muitas vezes tenho aqui referido a necessidade maior
investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção de menores. Para
além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma melhor integração e
oportunidade das respostas a situações detectadas, uma adequação às mudanças e
novas realidades na área dos Tribunais de Família e Menores, etc. Os serviços
de apoio às comunidades, ainda que regulados e escrutinados, deverão ser
suficientes e adequados em recursos e procedimentos.
Este cenário permite que ocorram situações como a agora
conhecida, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não
tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. E tal como nesta situação é
frequente ouvir depois de alguns episódios mais graves uma expressão que me
deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou
“referenciada”, mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada
intervenção.
Sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a
grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças
referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em
diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas. Nos tempos
que atravessamos os riscos serão maiores.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância
da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que
desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
As crianças são resilientes, mas família, afecto, contextos
educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade.
Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma
infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai
atingir”.
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