Pela terceira vez a despenalização da morte medicamente assistida volta hoje à Assembleia da República para a votação de quatro projectos de lei. A última iniciativa foi vetada pelo Presidente da República em Novembro de 2021. Algumas notas.
A discussão sobre a problemática
da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção
voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado
original, os termos em que mais habitualmente se enuncia a questão.
Discute-se se somos contra ou a
favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto.
Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a
favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições
claramente reguladas e definidas legalmente.
Da mesma forma e relativamente à
IVG, a questão era entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas
e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser
criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Com a aprovação desta lei não se
abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo
contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes
deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou
fatais complicações de saúde das mulheres.
Também da eventual despenalização
da morte assistida creio que não virá o caos e o terror anunciados num
argumentário que em muitos discursos individuais ou institucionais destila
manipulação e hipocrisia e insulta a inteligência e a sensibilidade.
Não sei o que será o meu
entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino
que quererei serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir
ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um
crime a alguém.
É uma decisão individual, que se
aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo
político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da
autodeterminação, autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de
sofrimento e desespero.
António Gedeão afirmou na “Fala
do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu
nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.
Toda a gente nasceu sem ser
ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.
Talvez a gente pudesse ser ouvida
no acto de que morrerá e ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade
que lhe é devida.
Não é simples, não é fácil,
envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo outro caminho.
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