É preciso insistir. Na imprensa de hoje surgem referências a dados divulgados pela PSP relativos a casos de violência doméstica. Entre Janeiro e Junho foram registados 62000 crimes de violência doméstica, em média 41 por dia. Os indicadores são superiores a 2021 e 2021, mas inferiores a 2019.
Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso
e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece,
apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é
"apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde
muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que
continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como
recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos
realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas
relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos
dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o
recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou
mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de
impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados
e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à
situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de
eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção
dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este
cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de
valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão,
também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.
Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e
formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de
valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que
minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o
desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de
que dispomos.
É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos
curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem
do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os
alunos.
Entretanto, torna-se fundamental a existência de
dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento
acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz
e célere.
A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de
um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas,
que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios
de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.
Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que
vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer
questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.
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